Tuesday, October 30, 2007

Máquina Dos Sonhos - Parte VII

Demorei a acreditar que tinha atirado em alguém – que tinha matado alguém. Acordei com meu pai me chamando para almoçar. Eu sabia que tinha dado certo. De alguma maneira sentia que Labarthe estava morto.
– Pai, meus amigos demoraram em ir embora?
– Claro que não, tu dormiste de repente, queria que eles ficassem aqui?
– E eles chegaram bem em casa?
– Era sobre isso que eu queria falar contigo.
A confirmação.
– Labarthe levou um tiro.
– Morreu?
– Sim. Sinto muito, meu filho.
– E já sabem quem foi o assassino?
– Não, mas não se preocupe com isso. Sei que perder um amigo é muito complicado.
– Tudo bem, pai. Vou ficar bem.
Consegui, com muito esforço, disfarçar minha felicidade. Ele morreu. Meu segredo não foi revelado. Não senti nem um pouco de remorso. Resolvi que, por ser meu único amigo e conhecer toda a trama, Rafael tinha de saber que eu era o assassino de Labarthe. Chamei-o para minha casa.
– Para que tu me chamou aqui, Vitinho?
– Rafael, o que tenho para te contar é muito sério e tem de ficar apenas entre nós dois!
– Tudo bem, cara, sabes que podes contar comigo!
– Estás sabendo da morte de Labarthe, certo?
– Claro, um horror, mas o que tem a ver com o que queres me contar?
– Fui eu.
– Foste tu o que, Vitinho?
– Matei Labarthe.
– Como? Tu tava dormindo!
– É uma história muito longa, senta para que eu te conte.
– Conte.
Contei toda a história, em seus maiores detalhes para Rafael. Desde a parte da descoberta do botão, até o barulho de morte que tem uma arma.
– Não acredito que tu fez isso, cara!
– Ele ia contar para todos sobre a minha máquina!
– Essa máquina ta acabando contigo! Joga isso fora, porra!
– Eu te chamei aqui para me ajudar, Rafael, se não fores me ajudar, pode ir embora!
– Não precisa dizer duas vezes, estou indo!
Irritei-me com Rafael. Como ele pode não pensar que eu tive meus motivos para matar Labarthe? Como pode não compreender? Mas eu tinha outras coisas mais importantes para pensar, precisava saber como iria fazer para ter Lívia ao meu lado. Claro que tu já deves ter pensado na mesma coisa que eu. A Máquina dos Sonhos.

Wednesday, October 17, 2007

E eu?

Faz tempo que eu não tenho nada que me deixe feliz de verdade. Sabe... cantar de felicidade. Isso deveria ser um direito natural de todo o ser humano. Até mesmo pra mim, um completo idiota, magro, feio, baixinho e estranho. Isso mesmo, sou tudo isso! Mas e daí? Só porque sou essas coisas que acabei de citar, não tenho direito de cantar de felicidade? Se fosse assim, muitas pessoas que conheço não teriam esse direito. Mas elas têm. E eu não. É que elas têm motivos para estarem felizes, ao contrário de mim, que sou um completo fracassado.
Eu me olho no espelho e tento fazer uma rápida biografia de mim mesmo. Leon Sanguiné, 15 anos, estudando e... e o que mesmo? Nada. É isso que eu sou – um nada. Com a minha idade, Vitor Ramil já tinha feito “Estrela, Estrela” há três anos. Aos 17, a Clarice publicou “Perto do Coração Selvagem”. E eu? E o Leon, o que ele fez de produtivo nesses 15 anos de vida? Pois é, mais uma vez chego àquela resposta simples e clara: Nada. Não fiz nada de marcante. Nem pra mim, nem pra ninguém. Um simples gesto. Nem isso eu fiz.
Eu estou prestes a aparecer no jornal mais lido da cidade. E daí? Nem metade dos meus amigos vai ler. Muito menos pessoas que não conheço. Fiz a entrevista com todo amor, carinho e afeto, mas sei que, no final do dia, aquilo vai pro lixo. Quem é que vai querer ler uma matéria de um tal de Leon, que é feio e nem cara de inteligente tem? Ninguém. Ta, ninguém é uma palavra muito forte. Algumas pessoas. Mas essas “algumas” limitam-se a umas cinco. Poderia até citá-las aqui, mas não vou fazer isso.
Minha existência é tão insignificante, que creio não fazer diferença alguma na vida de ninguém. Nem para o bem dessas pessoas, nem para o mal. É tão insignificante, que às vezes não sem nem onde jogar meu corpo. Essa é a minha definição – um corpo que só faz volume aqui no mundo.
Já passou da hora de eu fazer alguma coisa que preste, alguma coisa marcante na minha vida. Alguma coisa que mais do que cinco pessoas leiam. Alguma coisa de impacto. Podia ser do tipo ser uma pessoa melhor pra conversar, já que, segundo a minha mãe, eu não sei conversar e tranco as conversas. Feio, chato, idiota, baixinho e estranho vou continuar sendo. Mas, pelo menos, vou ter algum motivo para cantar de felicidade.

Thursday, October 11, 2007

Máquina dos Sonhos - Parte VI

– Não contes para ninguém sobre isso, Abreu!
Já era tarde. Ele nem me ouvia mais, estava muito bravo.
– Lívia, a nossa colega nova, tem seus sonhos todos aqui, o que estas pensando, cara?
– Estou apaixonado por ela.
– É? Então já sei como me vingar. Ela vai ser a primeira a saber!
– Não faças isso, por favor!
Fiquei sem reação. Como eu podia impedi-lo de contar da máquina para todos? Se ao menos eu vivesse no mundo dos sonhos. Isso seria imediatamente resolvido. Não pensei duas vezes e empurrei Labarthr tão forte que ele caiu sobre minha cama, batendo a cabeça na parede. Cheguei à frente da máquina e apertei o botão “Mu.D.So” e fui direto ao mundo dos sonhos, para tentar achar um jeito de mudar aquela situação.

Chegando lá, fui até minha casa para tentar achar, dentre os botões da Máquina dos Sonhos, algum que permitisse a transferência dos fatos que ocorriam naquele mundo, para a realidade. Lembrei de que precisava querer aquilo para que, então, o botão surgisse. Concertei-me naquele desejo e o botão apareceu. Apertei-o. “TU TENS DUAS HORAS CRIAR A CENA QUE SERÁ TRANSFERIDA”, foi o que apareceu na tela. Não perdi tempo e procurei Labarthe.
Depois de dez minutos, achei-o na praça da cidade, sozinho. Resolvi conversar com ele, para saber se ele já sabia da Máquina.
– Bom dia, Abreu.
– Ó, Duarte! Como vai?
– Vou bem... Por acaso foste em minha casa hoje?
– Não, não, por quê?
– Por nada... Bem, tenho de ir, tchau, Abreu!
– Tchau, Duarte, não te esqueças do nosso trabalho, amanhã em tua casa!
– Não vou esquecer!
Obviamente minha resposta foi de cunho hipócrita, pois na verdade eu tremi nas bases, por saber que o trabalho iria existir mesmo e pior: Seria amanhã, e não dentro de duas horas! Fui para a casa, para poder pensar em uma solução para aquilo.
Deitei em minha cama e fiquei pensando em um modo para impedir Labarthe de saber da máquina. A conversa com Labarthe havia me tomado trinta minutos que, somados com os dez do tempo que demorei para achá-lo, já eram quarenta minutos que eu não tinha mais. Cada minuto é um minuto roubado da morte. No meu caso, cada minuto é um roubado da revelação que terminaria com minha vida. Mais vinte minutos foram. Agora eu tinha apenas uma hora. Metade já tinha ido.
Muitos pensamentos me consumiam naquele momento. Até que tive uma idéia, que de princípio achei absurda, mas depois de passados mais dez minutos – agora só me restavam cinqüenta minutos – tive de convir que era a única solução. Contra minha vontade, liguei para Labarthe.
– Abreu?
– Sim, Duarte?
– Podes ir até à praça dentro de no máximo trinta minutos? O trabalho foi transferido para hoje, Cosme não poderá nos encontrar amanhã, mas hoje ele pode.
– Sem problemas, estou indo!
– Tchau, Abreu.

Corri até a praça. O que era aquilo em meus bolsos, que eu tocava com minhas mãos, agora cobertas por luvas? Nunca havia tocado naquilo, nem sequer tinha visto algo daquele gênero! Vi Labarthe vindo em minha direção. Dez minutos.
– Olá, Abreu, vamos até aquele beco, Cosme nos espera lá.
– Naquele ali, deserto e escuro?
(cinco minutos).
– Sim, vamos rápido! – falei olhando para o relógio.
– Ta bom.
(três minutos).
– Olha, Abreu, eu juro que não queria fazer isso!
(dois minutos).
– Fazer o que, Duarte?
– Tu mexeste com o que não devia, tens que pagar por isso...
– Mexi com o que? O que eu fiz?
(um minuto).
– Comigo, agora sem mais explicações!
(cinqüenta segundos).
Tirei aquilo que estava no meu bolso. Era uma arma. Sim, daquelas dos filmes americanos. Tremi.
(trinta segundos)
– Desculpa, Abreu!
Atirei.

Wednesday, October 10, 2007

E Se Houver?

- Fiz Tantas cartas pra ti, Fernando!
- Elas nunca significaram nada para mim, Mariana.
- Não diz isso, meu amor!
- Tuas palavras só me fizeram dormir!
- Vou começar a chorar...
- Tua vida ta só começando, garota, não serei o último homem que te terá.
- Tens que aprender a amar, Fernando, estou disposta a te ensinar.
- Mas e a guerra?
- Um dia cessará.
- Mas e o sangue?
- Será estancado um dia.
- Não posso ficar!
- Mas e o amor?
- Deixará meu peito.
- Como?
- A guerra tomará minha atenção.
- Mas tu vais até lá para cessá-la, se teu desejo é de terminar com a batalha, não será tempo o suficiente para esquecer o amor!
- E quem disse que quero esquecê-lo? Eu tenho de esquecê-lo, mas esse não é meu desejo.
- Fica!
- Não posso, Mariana.
- Mas e nossos antepassados, que lutaram para não morrer, só para que nós nos encontrássemos um dia?
- E achas que não penso neles? E as estrelas, então, que estão lá só para ficarmos eu e tu olhando para elas, admirando-as e a nós mesmos.
- Que lindo, Fernando!
- Não quero que aches lindo. Isso só deixará tudo mais difícil.
- Mas eu te amo, meu guri!
- Irás achar alguém melhor que eu.
- Nunca. Meu amor é só teu.
- Deixa o amor!
- Não posso deixá-lo como deixo o verão pra mais tarde!
- Los Hermanos já é demais, Mariana!
- Preciso da ajuda deles para te trazer de volta pra mim, pois não estás mais aqui.
- Eu estou aqui ainda. Tenho tempo para mais um beijo longo.
- Assim vai ser mais difícil...
- Deus sabe que vou me atrasar por um bom motivo.
- Não coloques Deus no meio, Ele não tem culpa por não teres coragem.
- E se eu ficar?
- Pra quê? Te darei meu amor só até uma próxima guerra.
- Acredito em meus companheiros, farão de tudo para não haver mais guerras.
- E se houver?
- Pra quê se preocupar com o que virá? Viva agora o momento que estamos passando, deixa o futuro pra depois.
- Tenho medo de te perder de novo, Fernando, um dia irás morrer nesta maldita luta pela paz e pela liberdade!
- Meu avião partirá daqui a pouco...
- Vá. Será melhor pra ti.
- Vem comigo, Mariana?
- Uma mulher, na guerra?
- Tenho casa no local onde vou batalhar, podes ficar lá.
- Mas e nosso sonho de morar nas estrelas?
- Eu as trago pra ti.