Tuesday, February 12, 2008

Carta à remetente inexistente

Oi, querida que não existe. Estou mandando mais uma carta, na tentativa de ser pela primeira vez respondido, mesmo sabendo que será em vão. Só queria por alguns segundos pensar que não estou sozinho nessa. Por alguns segundos pensar que alguém recebe e lê essas cartas densas e chatas.
Como vai a tua vida aí nesse reino que não existe? Espero que esteja tudo bem, pois quando eu chegar por aí, quero que seja tudo perfeito. Não foi a toa que demorei esses meus vinte e cinco anos de vida construindo esse reino para que possamos viver nele quando a hora chegar. E como será boa nossa vida. Tudo nós teremos, querida. Tudo. Cada um de nós receberá um lápis mágico, que dará vida a tudo que desenharmos. E não tenhas medo, não. A vida será bala de goma, eu prometo.
Fico imaginando como és. Se com cabelos castanhos claros, olhos marcantes e sorriso lindo. Se é feliz, se fala muito ou pouco. Se não fala. Se tem ou não manias e, se tem, quais são elas. Qual o jeito de se vestir, o jeito de arrumar o cabelo de um jeito que fique o mais belo possível. Se gostaria mesmo de me conhecer, se é pequena, como eu sempre sonhei. Se tem os mesmos sonhos que eu. Se ronca à noite, se tem facilidade para dormir à noite. Do que gosta de comer. Se existe.
Despeço-me nessas últimas linhas desejando que tenhas uma ótima semana e avisando que já estou de malas prontas para minha partida. Ficaremos juntos para sempre nesse mundo bala de goma que eu criei para nós! Peço-te que me responda pela primeira vez, eu pularia de felicidade ao ver na minha caixa de correspondências a tua carta perfumada com teu cheiro doce.
Com carinho, um beijo do cara do rosto de bebê, que fala muito e dono do cabelo de vassoura bagunçada.

Saturday, February 09, 2008

O Sonho(Pesadelo)

- Vamos fugir?
- Fugir, Romeu?
- É, Julieta, fugir. Sumir daqui, ir pra um lugar que seja só nosso.
- E onde seria esse lugar?
- A lua é uma boa pedida, acha não?
- A lua é muito longe, Romeu!
- Com o nosso amor como meio de transporte, ela fica há duas quadras daqui, se a gente quiser.
- E como fazer isso?
- É só pensar.
- Endoideceu de vez, guri?
- Não fala mais nada. Só fecha os olhos e segura minha mão.
- Ta. E agora?
- Pensa em nós dois.
- Mas não é que tudo desapareceu? Não é que tá só nós dois aqui?
- E não é perfeito?
- É, sim, mais que perfeito. Queria pular pra dentro desse pensamento e não sair nunca mais dele.
- Terias coragem?
- Coragem de passar a vida toda abraçada contigo? E quem é que não teria?
- Então vamos... 1... 2... 3... Vai!
- Agora é isso aqui pra sempre?
- Não é um sonho?
- É sempre igual, não muda nunca?
- Tu que pediste assim, amor.
- Não que eu não queira. Mas um dia cansa, não é mesmo? E quando a gente tiver filhos?
- Filhos? Não. Tu escolheste só nós dois, ninguém mais.
- Mas ter filhos é meu sonho!
- Tu abriste mão de muitas coisas pra estar aqui hoje, inclusive de ter filhos.
- Eu quero voltar!
- Não tem como voltar, é pra sempre assim!
- E se eu me matar?
- Aí tu não vais ter nem a mim, nem aos outros!
- Não! Também não quero isso!
- Então pára de reclamar!
- Vamos parar de brigar, se a gente se separar, isso vai ser um inferno até o dia da morte de um de nós!
- Só há um jeito de algum de nós morrer. Se o outro quiser que o outro morra, isso fui eu que pedi.
- Mas então não termina nunca?
- Só no dia que algum de nós se encher da cara do outro.
- Tem de haver um jeito de voltar!
- Assim eu me sinto um pouquinho desprezado...
- Não é isso, amor. O problema não és tu, é a rotina de todos os dias fazer a mesma coisa!
- Mas é sempre fazer uma coisa que se gosta. É uma forma de não se fazer algo que não se goste!
- Mas será que tu não percebes que isso um dia vai fazer parte do grupo de coisas que não se gosta? Nem que seja daqui a trezentos anos!
- Me desculpa, Julieta. Só queria te fazer feliz.