Thursday, December 01, 2011

Desligando o aparelho da NET

Gato é um troço 8 ou 80. É ame ou odeie. Quando a Bruxa foi lá pra casa eu era bem pequeno, então não lembro de como era a minha vida antes dela. Sempre que alguém me visitava, era a mesma coisa: “Nossa, eu queria ter uma gata igual a essa”. Pois é. Todo mundo queria. A Bruxinha era a mesmo a melhor.

Só que aí lá por 2008 começaram a surgir uns caroços. No início eu não me preocupei, uma vez um cachorro meu tava com um desses e o veterinário disse que era só uma entorse no músculo (?), que era normal e nem doía. Achei que era a mesma coisa, visto que a Bruxa vivia em apartamento, mas tava sempre pulando de galho em galho. Ela vivia correndo pela sala, brincando com as coisas, mesmo tendo 17 anos e, por tudo isso, eu achava que era bom sinal. Bem, não era. Ao contrário de cachorro, que quanto tá doente fica na dele, dengoso e com o nariz quente, gato fica agitado quando sente dor. Que idiota, eu só me dei por conta que isso era um indício de problema depois de muito tempo.

Enfim, os caroços foram crescendo e aí então eu levei ela no veterinário. Incrivelmente ainda era cedo, não tinha rolado metástase e o lance era totalmente tratável. Fui tratando durante algum tempo. Depois de muitos medicamentos testados veio a primeira cirurgia. Levei a minha gatinha no cobertor predileto dela, olhei nos olhos azuis e disse “te vejo na volta, velhinha”, quase como uma pergunta pra mim mesmo. Vi. Fui lá buscar e ela estava com a barriga toda cortada, com o pelo raspado e com uma mama a menos. Mas sem merda nenhuma.

Como um amor maldito, a doença dela voltou depois de um tempo. O veterinário disse que isso aconteceria, mas eu fui tentando esquecer aos poucos e consegui fazê-lo. Bem maior, aquela droga de um dia para o outro já tava quase abrindo. Liguei pra clínica e corri pra lá. Metástase. Já tava atingindo outros órgãos. Voltei pra casa e xinguei a porra toda. Me isolei do mundo por um tempo, mas percebi que aquilo só tava fazendo mal pra Bruxinha e voltei pras minhas atividades. Marquei a segunda cirurgia e fiz questão de levar ela lá. A recepcionista já me conhecia e, óbvio, já tinha se apegado ao melhor animal doméstico do mundo. Pela primeira vez havia a possibilidade real dela não voltar pra casa. Não dormi pelos três dias que ela ficou longe e, quando o telefone enfim tocou, meu coração quase saltou pela boca. O veterinário queria ele mesmo falar comigo. Fiquei mais tenso ainda. Ela tinha sobrevivido e eu lá fui eu extremamente feliz buscar a minha gatinha. Sem mamas em um dos lados. Praticamente sem recheio. Tentei nem olhar porque eu sabia que ia doer pra caralho ver aquele bicho que lambia meu nariz antes de eu dormir naquele estado.

Teve uma vez que eu fui pro Uruguai passar o fim de semana e ela ficou sozinha no apartamento. A Bruxa sempre teve problemas com isso, uns cinco, seis anos antes a minha família resolveu alugar um apartamento na cidade pra reformar a casa do Laranjal, ela se irritou porque nunca tinha ninguém em casa e sumiu por uns dois meses. Enfim, nesse fim de semana que ela ficou em casa, tentou fazer o mesmo. Só que ela não só não era mais uma gata jovem, mas uma gata velha e doente. Não conseguiu pular o muro do prédio e caiu no pátio da casa ao lado. Passou sábado e domingo na chuva, doente e sem comida. Sobreviveu, óbvio, ela era a Bruxa.

Bem, com o tempo ficou tudo bem, ela voltou ao “normal”, dormia nas minhas costas no sofá e me pedia comida quando eu acordava de madrugada. Só que é óbvio que depois de um tempo voltou tudo. Aquela merda já tinha atingido o fígado e a cirurgia já tinha ultrapassado o 50/50 de chances. Minha família fez uma reunião. Em pauta, decidir se mandávamos a Bruxa para a cirurgia pra prolongar a vida dela, mesmo que a gata vivesse dali pra sempre com muita, muita dor, ou se sacrificávamos. Ninguém teve coragem suficiente pra segunda opção e lá fui eu com a Bruxinha e o cobertor predileto dela para a clínica. Já éramos de casa. Mesma função, a recepcionista me ligou, fui lá buscar o meu animal de borracha. Nem olhei pra ela no caminho. Quando cheguei em casa, vi um bicho que não era pele e osso. Era só pele. Ela não tinha forças pra miar, pra comer. Não tinha forçar pra subir a escada. A Bruxa não conseguia subir as escadas! Como eu ia me acostumar a ver a minha gatinha que pulava de prédio em prédio sem conseguir subir a droga de um degrau? Ela não conseguia nem deitar no meu peito porque as feridas do peito dela doíam quando ela tentava. Mas ela tentava.

Passou uns dois meses. Eu tava trabalhando na Vanguarda, mas odiava aquilo tudo. Certo dia eu cansei de fazer um trabalho que não me acrescentava em nada e ainda me deixava no sol a tarde toda e resolvi que na semana seguinte eu pediria demissão. Voltei feliz pra casa ouvindo “Here Comes the Sun”, do Harrison, pensando “tudo vai ficar bem a partir da semana que vem”. Cheguei em casa e tinha uma vela ali em cima do aparelho da NET, lugar preferido dela na casa. Minha irmã me deu a notícia e eu tranquei o choro. Subi pro meu quarto e fui jogar vídeo game. Levei 3x0. A minha mãe veio falar comigo e eu não dei nem bola. Não falei uma palavra, eu só queria jogar vídeo game, ficar sozinho e tentar não lembrar dos 18 anos que a Bruxa fez parte da minha vida. Quando foi todo mundo embora e eu finalmente fiquei alone em casa, chorei pra cacete. Chorei porque ali caiu a ficha. Chorei porque pela primeira vez em 18 anos – já falei que não lembro de como era antes – eu tava REALMENTE sozinho em casa.

E isso tudo foi escrito pra eu não ter que ficar explicando toda hora pra TODO MUNDO o porquê de eu não querer outro gato na minha casa. Não sei quanto tempo vai ser assim, mas ainda é. Tchau.