Sunday, January 20, 2013

- ...


Passou duas vezes pela mulher de cabelos negros e batom bem vermelho. Fingiu que não viu, cara forte que tava tentando parecer. Percebeu, ficando até que feliz, não sei, tava escuro, mas acho que sorriu, que ela estava olhando. Meio sem entender muito bem, é verdade, mas ele não entendeu muito bem se o que ela não tinha entendido muito bem era o que diabos essa pessoa tá fazendo dando voltas na festa ou por que diabos ele não lhe deu oi.
Aí resolveu passar uma terceira vez. Só pra confirmar qual do não-entendimento era o caso dela. Tentou só passar, fingir não ver que ela estava ali do lado, não vou dar oi não vou dar oi não vou dar oi, mas quando deu por si já tava cutucando. Cutucando.
- Bu.
- Oi?
- Passei duas vezes aqui, tu fingiu que não m...
- Eu vejo você meio que em todos os lugares que eu vou.
- A gente se viu umas quatro vezes, cinco contando a primeira. Do jeito que tu falou ficou parecendo aquele episódio de Friends que a Phoebe se apaixona por um cara que ia nos mesmos lugares que ela, mas no final ela acaba descobrindo que ele escrevia pornografia pra crianças.
- Mas é meio isso mesmo.
- Tu tá apaixonada por mim?
- Não, mas acho você meio esquisito.
- Esquisito tipo Johnny Depp, tipo Woody Allen, tipo Faustão ou tipo o meu colega, que embora tenha contado o final do Harry Potter pra turma toda é um sujeito adorável?
- Tipo que escreve pornografia pra crianças.
- Que injustiça, tu nem me conhece. Eu escrevo pornografia pra adolescentes, é um público muito mais legal pra isso. Criança que vê pornografia não sabe o que tá fazendo, adolescente tem uma relação muito mais visceral.
- ...
- !!!
- ???
- Tu já parou pra pensar que o fato de a gente se ver em todos os lugares pode ser obra do destino?
- Destino?
- É. Acredita?
- Só quando é alguma coisa boa pra mim.
- Então, nesse caso?
- Não.
- Eu juro que sou legal. Pergunta pra qualquer um. Eu sou um doce.
- Eu nunca disse que você não é legal.
- Mas qual o meu problema então?
- Eu nunca disse que você tinha algum problema.
- Mas então por que essa indiferença toda?
- Nunca ocorreu a você que talvez eu só não esteja interessada? Que “não ter problema” não necessariamente significa uma pessoa interessante?
- Mas eu sou interessante. Tu que não me deixa mostrar isso.
- Você repete isso “eu sou interessante” desde a primeira vez que a gente conversou. Não acha meio pretensioso pra uma pessoa de um metro e setenta, com no máximo cinquenta e cinco quilos e que não sabe nem dançar?
- Não. Se eu não me achar interessante, quem que vai achar? Com toda a minha autoestima já tem mulher que me vê como um boneco Ken daqueles que não têm pênis.
- Vai ver você dá atenção demais.
- Tá, essa conversa está virando um diálogo adolescente e eu acho que o cara que tá escrevendo vai parar de escrever a nossa história se continuar assim.
- Tem um cara escrevendo a “nossa história”? Depois você ainda acha estranho eu te achar esquisito ao invés de estar apaixonada.
- Nunca ouviu falar em Deus? Brincadeira.
- ...
- !!!
-???
- Aquilo de um cara estar escrevendo esse diálogo foi brincadeira também.

...

Tuesday, January 15, 2013

Os alquimistas estão chegando


Um cara está aprendendo a cozinhar e vai à casa da namorada mostrar-lhe isso.
Não.
Um cara está aprendendo a cozinhar e vai à casa da avó mostrar-lhe isso. Com a namorada. Já que criei a criatura não dá pra deixa-la solta assim no universo.
“Só consigo cozinhar escutando música”, fala o cara enquanto coloca o celular no aleatório. Começa a tocar uma música do Jorge Ben. Sei lá, leitor, escolhe aí qualquer uma pra fazer fundo, não vou impor nada. Ele tira a camisa, coloca o avental com os dizeres “sou a melhor vovó do mundo” e parte para cima do frango para cortá-lo. A namorada vai para a sala ver Estrelas com a avó. Sim, o almoço saiu tarde.
Após alguns minutos de silêncio, a avó resolve virar para a namorada.
- Você gosta muito do meu neto, não é?
- S-s-sim, responde a namorada.
- E ele gosta muito de você também, pressuponho...
- É... eu espero que sim. Do jeito dele, mas nesse tempo todo eu já aprendi a ler ele e acho que sou importante.
- Quanto tempo é esse tempo?
- Cinco anos.
- Hm. Escuta, eu estou morrendo e não tenho coragem de contar para ele, ainda mais agora que ele está tão entusiasmado em cozinhar para mim. Você acha que pode fazer isso por mim?
- O-o-o que?
- Estava sentido algumas dores e fiz alguns exames. Contei para ele que era apenas um mal jeito nas costas, mas a verdade é que estou morrendo. Até peço desculpas por te colocar nessa situação, a minha ideia era pedir para a minha filha contar para ele, mas acho que não vai haver tempo, então como já estamos os três aqui...
 - Mas eu não posso fazer isso! Quem sou eu para dar uma notícia dessas? A senhora tem certeza disso? Já pediu outra opinião?
- Minha filha, quando a gente é velho, sabe quando vai morrer. Fiz os exames apenas para que ele não desconfiasse de nada, mas a verdade é que eu já sabia os resultados. E você é a pessoa que o acompanha há cinco anos. Quando vocês começarem a assinalar uma opção diferente no campo “Estado Civil” da conta da NET você vai se tornar, sem o exagero que se usa na adolescência, a pessoa mais importante da vida dele. Se por acaso ele tiver a chance de salvar uma pessoa de assistir ao Caldeirão do Huck será você. Essa relação linda de vocês começa hoje, com essa notícia que você dará.
Lá da cozinha o cara segue cantando a plenos pulmões:
“ZAAAZUEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEIRAAAAAAAAAÁÁÁÁÁ ZAAAAAZUEEEEEEEEEIRAAAAAAAA”
Tudo dando certo no Frango Xadrez, tá douradinho ali na panela junto com os pimentões e o shoyo. Não colocou amendoim, a vó não gosta, faz mal, ouviu dizer. Mexe isso aí, guri, diminui esse fogo aí, vai queimar tudo, lembrou dessas coisas que ela dizia quando ele ainda tava engatinhando nessa coisa de frango. Era um frango no frango. Falta agora só diluir o amido de milho (que, agora sabendo cozinhar, ele compra só Maizena), colocar no todo, misturar e servir.
Tá, ficou tudo pronto, hora de servir, a namorada bota a mesa e a avó só esperando.  Vem, vó, tá na mesa.
Lá pelo meio do almoço, percebendo o clima pesado, o cara, sem vocação alguma para tal, resolve tentar melhorar o ambiente puxando o seguinte assunto:
- Que silêncio. Parece até que alguém aqui está morrendo.
 Eis que a namorada e a avó gelam, será que ele ouviu a conversa da cozinha? Até que não seria mal, pensa a namorada. Que horror pensar assim, pensa de novo. A avó, que já estava quase morrendo, cai durinha ali no chão da sala.
- O que está acontecendo, santo deus todo poderoso????!!!!
- Exatamente aquilo que você ouviu da cozinha! Chama a ambulância. Rápido!
Três dias depois, enquanto o cara havia saído para almoçar, o médico aparece e pede para falar com alguém da família. Ninguém. Só a namorada está. O médico pensa, não pode dar a notícia para algum estranho, mas também não pode deixar a idosa morta na UTI sem ninguém saber. Resolve arriscar.
- Há quanto tempo vocês estão juntos?
- Cinco anos.
- Então a relação de vocês é muito estreita?
- Costumamos dizer que se ele pudesse salvar alguém de ver o Caldeirão do Huck pro resto da vida, esse alguém seria eu.
- Ok... Nós tentamos de tudo, mas a verdade é que ela já estava comprometida antes mesmo do que aconteceu e...
- Eu sei. Eu sei.
- Você acha que consegue contar para ele?
- Não. Mas eu tenho. É como fazer regime.
Quando o cara estava de volta do almoço, a namorada respira fundo e senta ao seu lado. Olha em seus olhos.
- Sabia que existem pouco mais de mil exemplares do Leopardo Persa...
- Você sabe que eu não gosto quando chamam animal de exemplar.
- Sabia que existem pouco mais de mil indivíduos adultos do Leopardo Persa em todo o planeta? Tão tendo que reproduzir eles em cativeiro, porque a dizimação tá pesada. Pensando por esse lado, nem é tão ruim o fato de que existem três mil pandas ao redor do mundo, você não acha?
- Amor, citando a Berta, em um dos seus melhores momentos em Two and a Half Men, todo mundo sabe que depois do Herb ela é a minha personagem predileta, você pode colocar açúcar em cocô que ainda sim não vai ser chocolate. Tudo bem ela ter morrido.
- Não está tudo bem. A pessoa mais importante na sua vida, a que você mais amava, acabou de falecer. Você nunca mais irá cozinhar para ela.
- Olha, eu não sei você, mas antes de aceitar participar desse texto, eu li todos os outros do cara que está escrevendo. Em um deles, ele diz que o universo é muito pequeno e, por conta disso, os seres magníficos, como a minha avó, têm de respeitar uma fila, pois são grandes demais e ocupam muito espaço. Essa fila precisava andar e a minha avó, gentilmente, cedeu o lugar dela para uma nova pessoa ser a que eu mais amo e que mais me cuidará daqui pra frente.
Depois de um tempo, acho que uns dez anos, quando o cara e a namorada já assinalavam outra opção no campo “espaço civil” do contrato da NET, Deus, O Todo Poderoso, desceu dos céus. Foi uma loucura. Pessoas se ajoelhando, pedindo perdão pelos seus pecados, dizendo que fariam qualquer coisa para permanecerem vivos, imaginem que coisa legal deve ser você ser Deus. Enfim, o Supremo, quando finalmente conseguiu com um raio daqueles fazer com que toda a humanidade calasse a boca, disse que tava cansado daquela zona toda. Tomaria uma atitude drástica e definitiva e passaria o resto da eternidade no Rio de Janeiro vendo as moças passarem de bicicleta. Ou os moços jogarem altinha, se você for daqueles que acreditam que Deus é uma mulher. A atitude seria punir toda a humanidade, fazendo com que todos os seres, fora os pandas e os leopardos persas, fossem obrigados a assistir, por toda a eterna eternidade, ao Caldeirão do Huck.
Todos fora um humano, escolhido via sorteio para, junto com outra pessoa a sua escolha, passarem o resto dos tempos junto dele vendendo água-de-coco na praia.