Wednesday, April 24, 2013

Imaginário


- Oi.
- AH! QUE SUSTO! Quem é você?!
- Você não se lembra de mim? É como se Deus não lembrasse de Adão e Eva.
- Hãn?
- Eu sou o Augusto.
- Augusto...?
- Nem assim? Vamos lá, pensa um pouco.
- Hmmmnão, desculpa. Não me lembro.
- E se eu desaparecer e aparecer de novo assim?
- Como você fez isso??????
- É simples. Eu não existo.
- Não existe?
- Desde dezenove de janeiro de mil novecentos e noventa e sete, data em que você decidiu que estava grande demais para um amigo imaginário.
- Você é o meu amigo imaginário???
- Era, né? Eu não sei se você se lembra, mas você me abandonou.
- E você queria o que? Que eu tivesse um amigo imaginário pela vida inteira?
- Eu teria um amigo real pela vida inteira. Enfim, você deve estar se perguntando por que diabos eu voltei, assim, tanto tempo depois.
- Na verdade, não. Eu ainda estou trabalhando com a hipótese de estar sonhando.
- Me avisaram que isso provavelmente aconteceria...
- Ai!
- Desculpe, mas o beliscão foi necessário. Agora você acredita em mim?
- Não, mas se eu disser isso você vai me beliscar de novo e eu ando numa de evitar dor.
- É por isso que eu voltei. Para falar que você é um idiota.
- Só isso? Não precisava ter saído lá do... da... de onde você vem. Eu sei que sou um idiota.
- Não tem nada mais idiota do que dizer “eu sei que sou um idiota”.
- Sei disso também. Por isso que eu sou um idiota em dobro.
- Você é muito chato. Eu não sei como sigo querendo ser seu amigo.
- Por que você não existe. Você é uma criação minha. É uma criatura que gosta de mim inclusive quando eu sou idiota.
- Você é tão idiota e tão inseguro que me criou apenas para ter a segurança de que alguém gostaria de você na saúde e na doença... Eu vou ter trabalho.
- O seu trabalho já está feito aqui, certo? Por que então não volta pra... SEI LÁ ONDE!
- Eu venho do mundo dos amigos imaginários abandonados.
- Essa coisa existe?
- Mas claro. Está em pauta a criação de um sindicato da categoria. Precisamos nos unir contra pessoas como você. Mas enfim, eu não volto para lá porque você é idiota por muitos motivos, mas um deles em especial. Um que se eu não viesse te salvar hoje, provavelmente você se tornaria um idiota eterno.
- E que motivo é esse?
- O fato de você sempre colocar a carroça na frente dos bois.
- Hãn?
- Ah, desculpa, essa é uma expressão muito usual no mundo dos amigos imaginários abandonados. Significa sofrer por antecedência. Ter uma ejaculação precoce de preocupação.
- Eu não tenho isso! Sou perfeitamente capaz de controlar meu sofrimento!
- Cara, por favor, isso é normal, acontece com todo mundo.
- Comigo nunca!
- Ah, é? E quando eu apareci aqui hoje? Você não se preocupou comigo ao ponto de esquecer totalmente de quem eu era?
- Ah, sim, porque é extremamente normal uma pessoa aparecer de repente, depois desaparecer e aparecer de novo. Na verdade, é até corriqueiro, acontece toda semana. Estava estranhando a demora nessa.
- Idiota. E o que dizer de quando você me abandonou?
- O que tem?
- Você decidiu que “estava muito velho para ter um amigo imaginário”, me jogou no fundo do armário e o que aconteceu? Você passou cinco anos sem ter um amigo sequer. Os cinco anos mais tristes da sua vida. Tudo porque, impulsivamente, decidiu que “estava muito velho para ter um amigo imaginário”.
- E você voltou, mais de dez anos depois, para reclamar disso?
- Idiota. Eu vim salvar você de fazer tudo de novo. Vim salvar você de você mesmo, se você for uma pessoa de clichês.
- Eu já disse que tenho total controle do meu sofrimento.
- Todos dizem isso, mas, na hora H, o fluxo é muito grande e não conseguem segurar. É puro receio de iniciar o tratamento.
- Vamos acabar logo com isso. Me trate logo.
- Isso. Aceitação do problema é o primeiro passo. Sente-se nessa cadeira enquanto eu monto o equipamento.
- Que cadeira?
- Ah, desculpe. Essa.
- Vai logo com isso.
- Tudo pronto. Veja esse powerpoint produzido por mim mesmo para a ocasião.
- “Como curar o sofrimento precoce”?
- Sim. Algum problema? Acho bom. Então, você reconhece essa?
- Sim, é minha namorada.
- Não. Essa é a pessoa que você vai abandonar semana que vem porque pensar que daqui vinte anos vocês pensarão de formas diferentes. Não quero me gabar, mas ela é minha namorada.
- Ela é MINHA namorada!
- Não. Vocês dois vão ser muito diferentes no futuro e isso fará com que você, num futuro um pouco mais próximo, se encha de sofrimento ao ponto de não se segurar e estragar tudo. Eu também não penso da mesma forma que ela, mas tenho meu sofrimento perfeitamente controlado. Consegui manter-me firme, sem querer viver a vida inteira em cinco meses. Se você quiser ela de volta, tem totais condições. Ela te ama e eu sou só um passatempo. Mas acho melhor correr, pois eu sou um ótimo passatempo. Recheado quando ela deseja, simples quando ela precisa.
- Como você pode fazer isso? Eu pensei que nós fossemos amigos. Tudo isso é vingança por algo que eu fiz há mais de dez anos? Olha, você é menor do que o instante em que desapareceu antes de aparecer de novo.
- Eu posso fazer tudo. Eu não existo.
- Como não existe se daqui dez anos irá roubar a minha namorada?
- Eu existo apenas quando você quer que eu exista. Sou uma criação da sua cabeça para frear os seus impulsos. Funciono como um gel retardante. Agora, faça o favor de me deixar em paz no mundo dos amigos imaginários abandonados e se acalmar. Sei lá, fazer uns exercícios, meditar... Pode começar treinando agora. Lá vem ela.
- Você é o melhor amigo que eu já tive na vida. E sou eu mesmo. Eu vou. Mas calmamente. Rápido.

Sunday, April 14, 2013


- se a senhora quiser eu posso fazer uma ronda especial na sua casa
- o senhor não se preocupe que se aparecer alguém aqui eu mato
- mas a senhora não se esqueça de se livrar do corpo

Monday, April 08, 2013

Não adianta insistir


Roberto decidiu: Não viajaria nunca mais. Chega do estresse de achar que o avião vai cair, que o ônibus vai tombar, que está muito estranho o jeito com que esse motorista faz as curvas, ou de não saber se é mais seguro botar o cinto ou não. Certa vez um amigo contara de um amigo que havia morrido por estar usando o cinto. “O ônibus tombou e ele ficou preso”. Tudo bem que na maioria das vezes Roberto não morria e voltava pra casa em segurança, mas toda aquela apreensão, somada à dor no pescoço decorrente do trajeto Pelotas-Porto Alegre não valiam a pena para desbravar novos horizontes e viver experiências magníficas. Roberto não viajaria nunca mais e “não adianta insistir”.
Em sua última viagem, diga-se de passagem uma das em que se encontrava mais animado, Roberto terminou com vômito de bebê no colo e um ligamento de joelho rompido. Ao perceber que a criança estava prestes a fazer aquilo que dali 20 anos fará em demasia por outros motivos, Roberto pulou de seu acento, mas como são pequenos os espaços nos aviões, meu Deus do céu, Roberto bateu com o joelho no acento da frente com força jamais vista.  Após saberem do ocorrido, os amigos, já acostumados com suas desistências de cinco minutos, tentaram argumentar, dizendo-lhe que ele estava exagerando, que era coisa de momento, de calor da hora. “Você está vendo a viagem apenas pelo lado negativo. Não está levando em conta o fato de que viajando se descobre coisas novas, conhece pessoas novas, descobre você mesmo, conhece você mesmo”. De nada adiantou. Não viajaria nunca mais.
Tudo bem, Roberto, você tem todo o direito de não querer mais viajar para evitar o estresse de correr pelo aeroporto inteiro para descobrir que seu vôo mudou de portão, ou correr para comprar a última passagem do ônibus da meia noite para pelotas porque o próximo só sai às sete da manhã. Tudo bem querer evitar se perder em uma cidade desconhecida e andar de um lado para o outro sem saber o que fazer. Tudo bem até não querer fazer uma parada no Grill antes de seguir viagem porque é muito perigoso. Mas, Roberto, assim você perde o prazer que é voltar pra casa.