Wednesday, January 29, 2014

Hardcore na estrada

Pelotas, 13 de janeiro. Noite. Em meio a um temporal, um grupo de cinco jovens cruza os estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina em um carro lotado de parafernálias. Poderia ser a viagem de verão mais furada rumo às praias catarinenses, mas foi o início da turnê da Suburban Stereotype, que passou por Curitiba (PR), Urussanga (SC), Florianópolis (SC) e Canoas (RS).

Curitiba, a capital do rock
Florianópolis, 15 de janeiro. Após realizar ensaio no estúdio Pimenta do Reino, a banda parte por volta das 16h rumo a Curitiba. Com todo cuidado possível para vencerem o congestionamento na saída da cidade e a chuva que refresca o verão da serra catarinense. Hospedam-se na casa de João Machado, da Better Leave Town, que se apresentara em Pelotas em setembro. João é um dos grandes amigos que o hardcore proporciona após festivais do estilo e recebeu os membros da banda pelotense com toda a cordialidade.

Curitiba sempre foi um dos grandes redutos do rock no Brasil. Melhor lugar impossível para começar a turnê da Suburban. Clima de festa no bar Dame Dame. A banda local Josh Making Songs lança EP na noite. Surpresa. Surge o primeiro amigo pelotense: Fabrício Luerce, conhecidíssima figura do “mundo alternativo” pelotense. Chega a hora de subir ao palco - uma espécie de garagem, aumentando o clima underground da ocasião. Show mais curto da turnê, com público sério, mas interessado no som pesado e direto da banda.
Urussanga e um castelo
Curitiba, 17 de janeiro. A banda deixa a capital paranaense rumo à região metropolitana de Criciúma. Ao quase entrar no estado do Rio Grande do Sul, a suspeita de algo errado. O destino fica no Sul de Santa Catarina, mas a banda já está na estrada há mais tempo do que fora imaginado no planejamento. Perdidos, dão meia-volta e chegam à cidade de Urussanga, local do segundo show.

Um grande portão com enorme placa em forma de guitarra os espera. Os músicos são recebidos pelos responsáveis pelo local, chamado Ventuno. Hulk, o proprietário, é um fã de rock que construiu uma casa destinada a receber shows. Deixou para trás duas empresas e apostou todas as fichas no lugar. O resultado foi um castelo com gigantesca estrutura. Vários artistas nacionais, como Raimundos e Ratos de Porão, já passaram por ali e agora é chegada a vez da Suburban Stereotype se aconchegar em uma sala com um balde de cervejas antes de subir no magnificente palco da casa.

Após apresentação para um público pouco menos contido do que o paranaense, o grupo se hospeda em Cocal do Sul, na casa de Rodrigo Zanette, responsável pelas duas datas da Suburban em Santa Catarina.

Florianópolis e o pedido por menos volume
Cocal do Sul, 18 de janeiro. Florianópolis está no caminho inverso feito até então. Serão necessárias algumas horas a mais de viagem. Zanette, então, consegue uma van para fazer o deslocamento até o General Lee, local do terceiro show da turnê.

É uma casa de rock também, mas com formato mais clássico - qualquer uma seria comum após Ventuno - com mesas lotando o bar. A apresentação fora organizada pelo coletivo O Clube, que promove a festa Conexão. Tendo em vista o ambiente mais voltado para apresentações menos enérgicas, cresce a preocupação com a aceitação do público em relação ao som pesado da Suburban. Surge então o pedido para que os rapazes “tirem o pé”. O que é sumariamente ignorado. Com a energia de sempre, o quinteto hardcore conquista a plateia. Mais um sucesso.

Canoas e a perfeição
Canoas, 19 de janeiro. A banda chega ao destino do último show da turnê no fim da tarde. Clima de confraternização com as demais bandas que dividirão o palco mais tarde.

O show acontecerá no estúdio Black Bird em evento organizado pelos já conhecidos Guilherme Gonçalves e Wender Zanon, agitadores culturais locais e amigos.

No momento de subir no palco, a consagração: bons equipamentos, espaço lotado, amigos e bandas quebrando tudo. A melhor celebração para encerrar este capítulo da breve história da Suburban Stereotype. Estão quase em casa.

Cristal e a volta
Cristal, 20 de janeiro. A banda decide encostar no Paradouro 6 para jantar. Muito movimento. Adentram o restaurante e são recebidos com muita cordialidade: 
- Só estamos servindo com reservas, podem ir embora! Não vamos servir vocês, vão embora!
Só restava ir para casa.

*Matéria escrita para o Diário Popular

Tuesday, January 28, 2014

Procura-se espaço

O poeta Rogério Nascente, conhecido pelo blogCertas palavras, lançou este mês, com distribuição gratuita, fascículo homônimo não apenas com textos seus, mas também produções de outros escritores, compondo sete das oito páginas da publicação - a última foi dedicada à biografia da poeta brasileira Cora Coralina e crônica escrita por ela. O lançamento coloca os olhares literários focados nas produções coletivas, feitas por pessoas que, além de terem algo em comum a dizer, encontram as mesmas vocações, sonhos e dificuldades.

Esse não é o primeiro trabalho de Nascente acerca da publicação literária feita de forma comunitária. Em 1997 ele produziu o Mural do Sul, jornal que tinha como objetivo colaborar para a fomentação da literatura por aqui. O parceiro Paulo Cezar Lisboa das Neves, que diagrama a versão impressa do Certas palavras, o acompanhou também na parte gráfica do projeto anterior.
A primeira edição do fascículo, lançada este mês, ainda é composta à base de convites feitos por Rogério a escritores amigos do país inteiro. A partir de fevereiro, porém, a ideia é que interessados procurem o poeta para terem seus textos publicados. Caso aconteça de o número de textos enviados ser maior do que o de páginas, os últimos a serem enviados serão guardados para o próximo mês. Não haverá uma seleção, pois, segundo Rogério Nascente, este não é o objetivo. “Ficar analisando se tal texto é bom o suficiente para entrar não me parece justo. A ideia é a divulgação. O leitor que acaba fazendo isso. Gosta mais de um autor e passa a acompanhá-lo”, diz, destacando ainda a característica de continuidade trazida pelo formato. “Será uma publicação mensal. Assim dá pra ir guardando até formar uma espécie de livro.”
O exemplo
Curitiba parece ser um bom espelho quando o assunto é produção literária comunitária. A cidade tem, pelo menos, seis publicações em atividades voltadas para a fomentação da literatura e a criação de espaços para a produção literária: RascunhoArte & Letra: EstóriasJandiqueCândidoMapa e o jornal RelevO.
O editor Daniel Zanella, que também escreve para o jornal, destaca a maior facilidade de impressão hoje em dia, se compararmos com 20 anos atrás. “Há mais gráficas e os custos são estáveis”, diz.
RelevO chegará em breve à 50ª edição com média de 50 escritos recebidos por mês. Sua “montagem” é feita em conjunto. Zanella faz o processo final de escolha dos textos a serem publicados. O editor-assistente, Ricardo Pozzo, sugere textos de autores de seu gosto ou que lhe tenham sido enviados, trabalho que também é feito pelo revisor Mateus Ribeirete.
Convergências
Assim como o Certas palavras do pelotense Rogério Nascente, não há um fim lucrativo. “Todos trabalham em regime de gratuidade. Eu mesmo nunca me remunerei através do jornal. E não aceitamos financiamento público, todos os nossos recursos advêm de pequenos empresários e anunciantes”, comenta Zanella. O fato de não ser focado no lucro, porém, traz dificuldades para o jornal, como a mensal tensão de não saber se ele conseguirá ser rodado. Por isso, o trabalho em conjunto dos envolvidos é ainda mais importante. “Os autores auxiliam muito na divulgação”, afirma o editor, que vê no feedback diverso recebido através da circulação mensal - três mil exemplares - a grande recompensa.
Também há semelhanças no objetivo. RelevO surgiu em agosto de 2010 como jornal destinado a dar espaço a cronistas e acabou se tornando um espaço para múltiplas vozes - contistas, poetas, romancistas, fotógrafos e ilustradores - de Curitiba e região. Porém, Zanella ressalta que o potencial de expansão trazido pelos meios digitais possibilita que a publicação chegue a lugares inimagináveis. “Nos últimos três meses, por exemplo, publicamos cinco autores de Manaus, um que foi indicando o outro.”
Rogério Nascente diz: “É uma satisfação ter o trabalho publicado”. E as oportunidades surgem. Os escribas interessados podem mandar suas produções para os dois projetos: para o Certas palavrasatravés do e-mail blogcertaspalavras@gmail.com e jornalrelevo@gmail.com para o RelevO.

Monday, January 20, 2014

Os minutos que faltam para eu comer a pizza que sobrou do almoço

Eu devia ter comido toda a pizza no almoço.
Mas aí eu não teria pizza pra comer quando chegar em casa às 7. Eu teria que ir na fruteira da esquina, que tem um cheiro muito bom e salgados de peito de peru extraordinários.

Felizmente eu não comi a pizza inteira no almoço, felizmente eu estava atrasado e não deu tempo de comer a pizza inteira no almoço, me dando a oportunidade de comer o resto quando chegar em casa às 7. Felizmente também eu fiquei com fome por não ter comido a pizza inteira no almoço, me dando a oportunidade de satisfazer um desejo enorme que é comer o resto quando chegar em casa às 7.
Quem não concorda com essa felicidade é o dono da fruteira da esquina, que tem um cheiro muito bom, não o dono, ele eu nunca cheirei, mas a fruteira, que tem um cheiro de uva delicioso e ainda tem salgados de peito de peru extraordinários, não o peru, quer dizer, talvez o peru fosse extraordinário e essa seja a real causa do salgado feito dele ser tão bom.

Eu poderia também ter lembrado de trazer dinheiro, que aí dava para ir no Cruz de Malta e comer dois croquetes com muito treme-treme enquanto tomo uma coca, porque hoje é só segunda e o todo mundo sabe que o dia de tomar chopp no Cruz de Malta depois do trabalho é sexta.

O ruim é que agora já são quase sete e meia, até eu chegar em casa são oito, aí oito horas não é um bom horário pra comer, porque fica muito perto da janta e aí não vou ter fome na janta, e se eu não jantar vou ter fome de manhã e, ou vou ter que acordar dez minutos antes pra tomar café, e aí não vou ter fome no almoço, deixando pra ter fome no meio da tarde, quando não dá pra comer, aí só vou consegui às oito, que não é um bom horário pra comer porque fica muito perto da janta e aí não vou ter fome na janta e se eu não jantar vou ter fome de manhã e, ou vou ter que acordar dez minutos antes pra tomar café ou não vou comer até o almoço, quando vou estar com tanta fome que vou comer rápido e quando eu como rápido acabo não comendo nada e se eu não comer nada no almoço vai chegar perto das seis e eu vou estar definhando e seis horas já não dá pra sair pra comer, aí vou esperar até a hora de ir embora e aí já são oito e oito horas não é um bom horário pra comer por que

Tuesday, January 14, 2014

O falso 9

Apesar da suposta facilidade com que trabalha o jogador centroavante – necessita às vezes apenas que a bola encoste nele e entre –, muito embora hoje se tenha conhecimento de um gene extremamente recessivo que condiciona o ser humano a ter maior facilidade em botar a bola pra dentro, há atletas que preferem não se ater apenas a essa função. São os falsos 9.
O falso 9 está lá, na marca do pênalti. Ele veste a camisa do centroavante.
Faz, de fato, muitos gols.
Mas não queira ver o falso 9 como uma referência.
Falsos 9 não admitem essa possibilidade.
Falsos 9 não se prendem a esquemas táticos pré-determinados que o coloquem com a função única e exclusiva de fazer o gol.
Mas o falso 9 faz, de fato, muitos gols.
O falso 9 precisa constantemente sair da área para respirar.
E não tente prender o falso 9 dentro da área.
O falso 9 não funciona preso à área.
Há quem pense que o falso 9 surgiu no Barcelona de 2011, com Messi.
Ou no Arsenal, anteriormente, com Fàbregas.
Que no meu time da Master League já jogou até de lateral.
Direito e esquerdo.
Mas o primeiro falso 9 – que se tem conhecimento – surgiu muito antes, na Hungria dos anos 50.
Enquanto Puskas vestia a 10, Hidegkuti usava a 9.
A diferença é que o húngaro se movimentava apenas para dentro ou fora da área, sempre centralizado.
Messi transita tridimensionalmente pelo campo.
Por isso, além de falso 9, é gênio.
Mas também não pense que o falso 9 é falso.
Que está ali para ludibriar o adversário.
Aproveitar-se da fragilidade tática dele.
O falso 9 é honestíssimo.
Ou pelo menos tem de ser para funcionar.
Se cai na tentação de ser falso apenas pelo adjetivo, não engana a ninguém.
A não ser a si mesmo.
Há muitos centroavantes que se passam por falso 9.
Erro.
É o falso falso 9.
Qualquer definição que tenha um adjetivo negando outro é um erro.
Mas há quem tenha maior poder de adaptação e consiga funcionar tanto como centroavante, quanto meia e falso 9.
Dependendo da situação.
Se o jogo é em casa ou fora.
Mas é raríssimo encontrar um jogador dessa qualidade.
Ou então se torna um atleta como Jorge Henrique.
Apenas polivalente.
Adaptar-se mantendo o padrão de qualidade e satisfação é muito difícil.


Wednesday, January 01, 2014

Freak Brotherz e Suburban Stereotype fortalecem a cena hardcore

Nos anos 90 a grande indústria fonográfica concentrou suas forças em bandas de pagode, sendo bons exemplos o Art Popular e o Só pra Contrariar, e duplas como Leandro e Leonardo. Algo como acontece hoje em dia com o sertanejo universitário e a música gospel, linha de frente da Som Livre, principal gravadora ligada aos grandes meios de comunicação televisivos e radiofônicos. Era preciso então caminhar com os próprios pés, talvez de forma literal, para almejar o próprio espaço. Essa filosofia sempre permeou o hardcore, estilo musical marcado pela contracultura, por bater quando se espera o carinho. Em 1998 surgiu em Pelotas uma das bandas com maior sucesso na tradução destes conceitos. A Freak Brotherz colocava o hardcore em evidência na cidade.
Solano Ferreira, baixista, conta como o grupo conseguiu tamanha façanha. “Já no início tivemos uma boa exposição ao ganhar o Skol Rock, concorrendo com mais de 4,5 mil bandas. Isso deu um gás. Depois gravamos um disco em 2007 com quase todas as músicas participando de festivais. De 13, nove participaram e foram premiadas.” Tudo isso conquistado com os próprios gritos, incluindo as excursões, as Freaktour, que a banda organizava quando havia um show marcado fora de Pelotas. “Quando falava em Freaktour a galera já ficava maluca”, lembra.
Veja, eles ainda acreditam
Quatorze anos depois do surgimento da Freak e da colocação do hardcore em outro patamar de reconhecimento na cidade, outra banda apareceu por aqui seguindo os mesmos ideais. A Suburban Stereotype, liderada por Diego Gularte, foi formada em 2012 de forma natural, compondo em seus primeiros ensaios, mais tarde reunidos em Carnaval, primeiro EP do grupo. “No início já tinha música própria e surgiu a vontade de criar um trampo. Era pra ser um CD, mas, o Solano sabe, é difícil a correria de conciliar o tempo de todo mundo pra gravar”, diz Diego.
Após o lançamento digital, Carnaval agora está disponível em versão física, vendido a R$ 15,00 por encomendas e R$ 10,00 nos shows, como forma de agradecimento àqueles que fortalecem o trabalho sem a barreira da internet. Além disso, o EP também ganhará tour, nos moldes daquelas feitas há anos pela Freak Brotherz. Será pelos três estados da região sul, com sete datas confirmadas e uma pendente, a serem vencidas em uma semana e meia.
Não foram assim tão fáceis
Solano Ferreira rechaça a ideia de que a união da cena hardocre é algo recente. “Sempre foi junta. A grande verdade é que tá crescendo”, afirma. Para ele, a diferença está, primeiro, nas oportunidades. Há dez anos as chances para as bandas underground tocarem se restringiam a bares quase falidos que, já pouco preocupados com o prejuízo, apostavam as últimas fichas na realização de diversos festivais. “Como eram sempre as mesmas bandas, sempre o mesmo público, a coisa acabava morrendo. Mas a gente sempre procurou o nosso espaço”, diz o baixista da Freak Brotherz, lembrando mais uma vez das freaktour. Solano também lembra a questão dos equipamentos das casas de shows. “Hoje tem vários lugares que já tem ou outros que dá pra tocar com o da própria banda. Isso facilita.”
Unir, lutar, ganhar poder
Como acontece em diversas áreas da arte em Pelotas, a cena hardcore precisou se unir para sobreviver. É assim que Diego Gularte explica o surgimento do coletivo Hardcore Pride, em 2011. “Nós achamos que a coisa tinha ficado morna. Juntamos vários amigos e criamos o primeiro festival. Lotou. Assim como o segundo, o terceiro.” Era chegado, então, o momento de dar o grande passo. Dar uma resposta pesada àqueles que reclamam da falta de bandas reconhecidas nacionalmente tocando em Pelotas.
Ao invés de engrossar o coro, os membros do Hardcore Pride resolveram trazer por eles mesmos. E começaram com o pé na porta, trazendo logo o maior expoente do estilo no país. Em setembro de 2012 o Dead Fish subiu no palco do Galpão, com abertura não menos potente da Freak Brotherz. “Noite apoteótica”, lembra Diego, que meses depois viveria a emoção de abrir para o DF, com a Suburban Stereotype, em novo show dos capixabas na cidade. “É meio difícil de descrever. Inclusive trocamos ideia com os caras depois. Demos moletom da banda. Os guris deram o moletom que tavam vestindo pra eles!”, lembra, emocionado.
Após dois anos de suma importância como catalisador para as bandas do gênero em Pelotas, a Hardcore Pride tenta agora fomentar outro braço da produção. Virou gravadora. O primeiro projeto, o EP Carnaval, da Suburban, já é sucesso. Para o ano que vem, o objetivo é finalizar o segundo disco da Freak Brotherz.

*Matéria escrita para o Diário Popular