Monday, June 30, 2014

Coletivo Artcidade Criativa incentiva a cultura em Pelotas

Se Marco Polo contasse ao jovem Kublain Khan acerca de uma cidade que tinha difusa em sua população a ideia de uma forma alternativa de economia, relacionada diretamente com a cultura, dando poder à sociedade civil para que esta pudesse intervir nas lógicas de produção do local, o personagem do livro As cidades invisíveis, do escritor italiano/cubano Ítalo Calvino, das duas uma: ou aumentaria e muito sua curiosidade acerca das missões diplomáticas do navegador ou deixaria de prestar atenção, por acreditar ser impossível. Entretanto, novas cidades são de fato possíveis, de acordo com o que pensam e tentam agir os membros do coletivo Artcidade Criativa, que realiza oficinas, intervenções artísticas e rodas de conversa na cidade.
“Somos uma desorganização organizada”, conta um dos membros, Cássia Cavalheiro, estudante de Relações Internacionais na UFPel. “Fugimos desse padrão institucional”, completa. O Artcidade Criativa começou há cerca de dois anos realizando oficinas teóricas de cidades criativas e economia criativa, incentivado por uma crise teórica de Cássia quando, durante o curso, o tema cidades virou tópico principal, mas não da forma com que ela pensava. “Estava muito longe de Pelotas e daquilo que a gente fazia”, afirma.
Surgiu então a oportunidade de se inscrever no Procultura. “Era para artista, então associamos os malabares de rua e o origami como atividade lúdica para trabalhar a criatividade, conta a estudante. O coletivo surge como uma forma de fomentar a criatividade e fazer com que esta seja trabalhada na cidade de forma mais democrática, com maior responsabilidade social, civil e cultural”, explica. O grupo ressalta: as oficinas que trabalham, como malabares, origami, parkour, entre outras, são lúdicas, porém, não no sentido de formação e sim para dar acesso.
As oficinas, já foram em pontos específicos da cidade como as praças Coronel Pedro Osório e da Alfândega e em escolas pelotenses. Sempre com o objetivo de ressignificar. Exemplifica Cássia: “Ali na Conde de Porto Alegre tem um espaço que a comunidade usa como uma pracinha. A gente descobriu que não é um espaço público, mas sim privado, é um terreno abandonado. As pessoas jogam lixo lá, a prefeitura não pode limpar, mas ao mesmo tempo as pessoas usam aquele espaço como lazer. Tivemos a iniciativa de fazer algumas oficinas, entrar em contato com essa comunidade e refletir sobre esse lugar que também é nosso.”
As oficinas também estarão em breve na internet, através de vídeos. O objetivo, segundo Cássia, é fomentar a inclusão social e acostumar as pessoas - principalmente os jovens - a não verem o computador apenas pelo lado das redes sociais, mas também como um instrumento de formação.
Uma casa na cidade
Seguindo a ideia de coletivo, os membros do Artcidade Criativa moram juntos, em casa na região do porto. Colorida desde sua fachada, suas paredes são ressignificadas com intervenções artísticas visuais e papéis com as letras da banda Musa Híbrida, que tem como vocalista Camila Cuqui, também membro do coletivo.
Sobre morarem todos sob o mesmo teto, Cássia conta que foi uma consequência. Ela e Guilherme Lucas, que também faz parte do Artcidade Criativa, já eram amigos e decidiram morar juntos “e aproveitar para otimizar a casa para que não fosse só um lugar de morada, mas que dialogasse com a cidade”, conta. Abriram então as portas e janelas e começaram a realizar atividades para além das propostas financiadas pelo Procultura. O dinheiro do programa municipal reverte para os materiais das oficinas, no deslocamento destas, na divulgação e em um valor simbólico para cada oficineiro de R$ 70,00 por oficina.
Essas atividades são rodas de conversa aos sábados (quase todos) para possibilitar a integração entre as pessoas e fomentar ideias com potencial de contribuir no futuro, sempre dentro da responsabilidade social, cultural e econômica “mais real” que o grupo propõe.
Economia solidária diferente
Essa proposta diferenciada referente a essas questões é trabalhada de forma diferente até mesmo dentro da economia criativa, onde parte-se do pressuposto de que existem classes criativas que produziriam a partir da sua criatividade produtos com valor agregado que geraria uma nova indústria, a indústria cultural. “Nós vamos por outro viés, que seria acreditar na criatividade inata de todas as pessoas e que ela não deve ser alvo de privilégio de alguns grupos ou classes, por isso, então trabalhamos com oficinas abertas e itinerantes”, explica Cássia.
Crescimento pessoal
Bruna Fortes, membro do coletivo, responsável pela realização dos vídeos on-line das oficinas, ressalta outro ponto interessante da proposta: a troca de culturas. “É uma reflexão sobre as pessoas, o que elas vivem, o que elas são, o que elas estão fazendo naquela rua e o que desejam para a cidade. É lindo ver o crescimento dos próprios membros do grupo com o contato, como mudamos muito através do contato com as pessoas. Vejo uma troca, uma circulação cultural e de informação”, diz. Acompanha a colega Suéllen Cortes, afirmando acreditar que o pelotense se limita a vivenciar apenas as regiões do Centro e do Porto da cidade. “O Artcidade proporciona essa vivência de estudantes que somos de uma integração e uma extensão real para além dos muros da universidade. Estamos indo para o empírico mesmo, nos jogando no meio da sociedade.”

*Matéria escrita para o Diário Popular