Thursday, December 04, 2014

Podridão e independência

O guarani é o hino da morte/ Para índios, árvores e animais/ O fogo queima tudo o que sobrou/ Infelizmente, Amazônia nunca mais! Estes versos poderiam muito bem ter sido escritos semana passada, quando surgiu a informação de que a presidente Dilma Rousseff planeja indicar para o Ministério da Agricultura a senadora Kátia Abreu (PMDB/TO), cujas defesas aos latifúndios e empresas como a Monsanto irritaram tanto ambientalistas quanto parte da esquerda que a elegeu. Entretanto, são parte da música Amazônia nunca mais, escrita em 1989 pela banda Ratos de Porão, que botará abaixo o Galpão Satolep no próximo domingo (7).
Para o lendário vocalista João Gordo, o caráter eterno de Amazônia nunca mais é um dos principais exemplos da forma como a Ratos faz e pensa a música: nunca descartável, sempre pensante e coerente. "Fazer o som que você é fiel. Fazemos o mesmo estilo a vida inteira. Às vezes mais puxado pro metal, às vezes pro punk, mas sempre a mesma coisa. Isso vai para a letra também. Ela não pode ser descartável. A mensagem tem que ser eterna."
Só tocar
Toda essa filosofia passa pelo fato de o grupo, desde 1981 um símbolo da contracultura na música, estar pouco se importando para as mudanças sofridas no mercado fonográfico. Se atualmente é complicadíssimo vender milhões de discos de plástico, tanto faz. Eles querem é fazer o som maldito que caracteriza a Ratos de Porão e botar o público para pensar. "A gente não está interessado em mercado, não. Queremos tocar. A gente nunca viveu de vender disco. Vivemos de fazer show, vender merchandising. O disco é só um detalhe", afirma João.
Fazer por si
Quem em 2006, ano de lançamento do penúltimo disco da Ratos, O homem inimigo do homem, apostou em contratos com grandes gravadoras, moldando seu som ao gosto de engravatados quaisquer, se deu mal. Além da vergonha que é produzir música sem conteúdo, também houve penitência quando a internet destruiu quaisquer convicções no sistema gerido por grandes empresários.
Para Gordo, a maior transformação se deu a respeito da divulgação, muito facilitada - e anabolizada - pela grande rede. Porém, cita também a mudança no consumo. "Só compra o disco quem é fã. A maioria quer ouvir a música e baixa", comenta.
Todavia, mais uma vez diz que nada disso causou problemas na Ratos, tendo em vista além do já citado fato de não serem as vendas o carro-chefe da sustentação dos membros, também o ponto de que o fã de som pesado é fiel. "Gosta de ter as coisas. Eu mesmo sou um cara que gosto disso. Mesmo quando estou duro reservo uma grana para comprar um vinil, um CD."
Foi também através da eterna independência que a Ratos não foi atingida por estas mudanças. O grupo correu sempre com as próprias pernas, desde antes mesmo de Crucificado pelo sistema, o primeiro LP da banda, datado de 1984. Sem nunca esperar por ninguém para nada. "Essa é a vantagem de ser independente", diz João. "Lógico que tentamos gravadora gringa, maior. Mas no final das contas o que vale mesmo é o do it yourself (faça você mesmo), saca? Tudo o que virou nosso foi a gente mesmo que fez, cara. Não pode esperar alguém se você mesmo pode fazer e muito melhor, do seu jeito."
Podreira
O rock morreu, dizem. Não somente no som, mas na filosofia contracultural pregada ali. Mentira. Talvez pense assim quem apenas recebe o rock, não o procura. Gordo, cujo estilo diz ser carne "podre, satanás e sexo horrível", afirma que vai atrás apenas de coisa extrema. Do death metal pra cima. E, segundo ele, hoje em dia ainda se faz muito som do tipo de qualidade. "Tem muita gente fazendo coisa boa, extrema hoje em dia ainda. Agora, se for hardcore, punk rock, eu prefiro os antigos."
Mas segue na mesma linha: não adianta o som ser bom se for sem conteúdo. "Tem muito cara que faz som pesado e aí vai ver e só passa ideia de girico. Um monte de banda que faz som bom e os caras são uns fascistas."
Bandas locais
No domingo serão quatro as bandas que abrirão para a Ratos de Porão: Suburban Stereotype, Freak Brotherz, Postmorten e Diatribe. Músicos que há anos lutam por reconhecimento na própria Pelotas e esbarram em obstáculos como a maior valorização por parte do pelotense em relação à artistas de fora do que exatamente os locais. Para Gordo, o problema é nacional. "Isso faz parte do brasileiro. Ele não apoia a cena local, seus próprios heróis. Isso não acontece na Argentina, por exemplo. Aqui o brasileiro quer ver a banda se ferrando e dar risada", comenta.
Diego Gularte, vocalista da Suburban Stereotype, é também membro da Urbe, organizadora do evento. Para ele, esse será o show mais louco que a cidade já viu. "Lugar pequeno, lotado, com todo mundo na mesma vibe e uma lenda da música no palco."
Enquanto produtor, Gularte diz ser um tanto louco construir uma noite desse tamanho, "botando a cara na coragem mesmo e vendo dar certo".
Serviço
O quê: show da banda Ratos de Porão
Quando: domingo (7), às 18h
Onde: no Galpão Satolep, José do Patrocínio, 8
Ingressos: antecipados no terceiro lote custam R$ 50,00 e podem ser adquiridos na Studio CDs, Scissors e no Papuera Bar


*Matéria escrita para o Diário Popular

Monday, December 01, 2014

Música para combater o machismo

O leitor pode fazer o exercício. Pense em dez bandas de rock mais famosas em todos os tempos no mundo inteiro. Pode pensar em vinte. Talvez em trinta. Procure, neste número que veio a sua cabeça, quantas são formadas por mulheres ou ao menos têm uma como protagonista. Muito provavelmente serão poucas. Pouquíssimas. E isso não é resultado, como os homens insistem em acreditar, de demérito dos grupos formados por elas. É consequência de séculos, milênios de machismo, estando este presente nas mais variadas parcelas da sociedade, inclusive no meio musical. Em Pelotas não parece ser muito diferente, mas uma banda tenta lutar contra a opressão através das fortes e rápidas notas do punk rock. Apesar de estar com nova formação, a She Hoos Go não arreda pé do feminismo.
A influência vem principalmente de Joan Jett, que costuma figurar em listas de melhores guitarristas de todos os tempos - quase sempre a única mulher - desde os tempos do The Runaways, banda clássica do feminismo musical. Em 2012, ano em que se apresentou no Lollapalooza Brasil, Joan comentou o machismo que reina o meio. Contou de quando, ainda adolescente, se aventurou na música pela primeira vez influnciada pelo camaleão David Bowie e Suzi Quatro. Decidiu então fazer aulas de violão, ao que ouviu: meninas não podem tocar guitarra, muito menos rock.
A mesma frase foi vociferada à ela diversas vezes durante a sua carreira. Mulheres têm de tocar instrumentos delicados, como violoncelo e harpa, nunca guitarra. Joan, porém, sempre calou os machos com a força de uma rockstar e é dona de I love rock'n roll, um dos maiores hinos do gênero.
Nunca se entregar
O espírito foi incorporado também na She Hoos Go. "Passamos por diversas mudanças na formação, mas nunca nos abalamos, nunca nos entregamos", comenta a baterista Simone Del Ponte. A banda foi criada no verão de 2010, primeiramente com o objetivo de tocar covers de bandas como o próprio Runaways, o L7 e o Hole, resistência feminina no grunge dos anos 90, entre outras. A partir daí vieram shows em festivais de Pelotas, outras cidades do Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro, o qual consideram o mais importante até os dias de hoje.
Após última mudança, o grupo passou a ser formado por Simone, Lidia True Love nos vocais, Ariane Behling no baixo e Giuliano Jack Strat na guitarra. A baixista é quem comenta possíveis transformações trazidas pela incorporação de novos membros. "O som está mais agressivo e engajado, o vocal da Lidia trouxe uma cara nova pra banda e o Giuliano na guitarra deu uma energia extra nas músicas.
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Empoderamento
Junto com a nova formação, na última semana a She Hoos Go terminou de lançar quatro músicas. Anteriormente compostas para formarem um EP, as canções foram mostradas ao público individualmente e evidenciam que a chama da luta contra o machismo permanece acesa em versos como Eu não posso esquecer o que você disse, é sempre igual, dia após dia, ou Você pode até procurar por uma Afrodite, mas há uma bruxa em seu caminho. E ela pode ter cabelo preto, cabelo vermelho. 
Segundo Simone, a música como alerta e arma contra o machismo é importante, por exemplo, por empoderamento. "Podemos passar através de nossas letras as vivências do dia a dia, das lutas que travamos pelo feminismo." Ela, porém, acredita que aos poucos a luta tem sido vencida, pelo menos nas guitarras. "Antigamente tinha muito mais preconceito em relação às mulheres no rock. Ainda tem algumas pessoas que acham que as mulheres não têm capacidade de fazer musica, mas acho que esse pensamento retrógrado está se dissipando."
Entretanto, ainda segue vivo outro problema: o de certa sexualização sofrida por mulheres no mundo da música. Ser reconhecida pelo som, e não pelo fato de ser do sexo feminino. Algo que a vocalista da moderninha Chvrches, Lauren Mayberry, cansa de falar em seus discursos sobre gênero, recusando o rótulo de "apenas mais um rostinho angelical na música" e condenando inclusive aqueles fãs da banda que se mostram apaixonados pela Lauren dentro dos padrões de beleza impostos pela sociedade do que exatamente pela Lauren exímia vocalista e ser pensante. Simone partilha da opinião da escocesa: "É uma situação superchata não ser levada a sério por ser mulher ou por ser considerada bonita (faz sinal de aspas). Esse tipo de pensamento e atitude não cabe mais".
Riot Grrrl 
Movimento criado nos anos 90 abrangendo fanzines, festivais e bandas de harcore e punk, o Riot Grrrl (lê-se Riot Girl) surgiu com o objetivo de se estabelecer como um movimento cultural feminista, incentivando a mulher a se informar e reivindicar seus direitos. Tendo a música como um de seus principais alicérces, o Riot Grrrl foi incentivado por bandas como Bikini Kill e Bratmobile. Atualmente, a provável principal representante é a Pussy Riot.
Outras bandas protagonizadas por mulheres em Pelotas
- Vetitum
- Nefertiti
- KAME
- Trail of Sins
- M26
- Gru

*Matéria escrita para o Diário Popular