Nesse mundo cheio de caraminholas, dor de cabeça e corrupção
na saúde existem as casas. E são muitos os seus tipos.
Tem a primeira casa de morar junto, que é um sonho e quando
se realiza depois de muito esforço não dá vontade de sair nunca mais. Mas
manter uma primeira casa de morar junto – que também pode ser a do meio,
podendo inclusive ser a do fim, podendo inclusive ser a primeira de todas – é uma
tarefa das mais árduas. Normalmente esse tipo de casa é habitado por jovens,
novinhos na vida, que ainda não sabem muito bem o que fazer depois que já estão
ali morando juntos, será que vai dar certo, será que não vai, se não der quem
vai ficar com a casa, e esse mundaréu de dúvidas se soma às dívidas que chegam
tanto quanto e o pobre casalzinho, novo na vida, que ainda não sabe muito bem o
que fazer depois que já está ali morando junto, ainda não tem a base necessária
para uma casa de tanta importância e o imóvel, que não tem nada a ver com isso,
acaba simbolizando esse tsunami todo. A primeira casa de morar junto – que também
pode ser a do meio, podendo inclusive ser a do fim, podendo inclusive ser a
primeira de todas – requer muita coragem e muito empenho. E um pouquinho de
amor também.
Tem a casa de morar sozinho. Essa tem que ser muito amiga da
pessoa que for lhe acompanhar, porque pessoas tendem a gostar de solidão só por
um tempo e, quando esse tempo passa, a casa tem que ser quente para não
desandar tudo. O fato de ser uma casa de
se morar sozinho também aperta quando a pessoa precisa de alguma coisa que só
outra pode fazer, como por exemplo, anotar um recado quando o sozinho não está
ou massagem.
Tem casa que é abandonada no meio do caminho porque os seus
habitantes precisam de mais espaço ou esperam algo maior que a casa não pode
por si só dar e fica ali tentando se explicar, tentando achar uma solução, “quem
sabe vocês não me deixam por um tempo para eu me reformar, quem sabe pode dar
certo?”, mas os custos não valem a pena, ela já tá ficando velhinha mesmo,
melhor se mudar para uma maior.
Tem casa que é movente. Essa casa é tão boa, mas tão boa,
que vale a pena levar junto quando se quer – ou se tem que – ir para outro
lugar. Apenas as casas que não podem ser destruídas com um sopro do Lobo Mau podem
ser moventes.
Tem casa que não é bem casa. São aquelas construídas em
série com a finalidade de receber moradores por um espaço curto de tempo
determinado. As casas que não são bem casas costumam ser interessantíssimas, há
sempre a surpresa de como serão por dentro, mas os lençóis que não são seus, o
colchão que é melhor do que o seu, mas não tem o seu formato, as janelas que
não abrem, tudo isso contribui para que a estadia dure tanto quanto o sabonete
oferecido por elas.
Tem casa que não existe. Tem casa que é carro. Tem casa que
é aeroporto. Tem casa que é o escritório porque as coisas não vão bem
financeiramente. Tem casa que é dos outros. Tem casa que é várias ao mesmo
tempo.
A casa que a tartaruga tem é um caso muito especial. Ter a
mesma casa por duzentos anos não é para qualquer ser vivo.
Tem casa que pega fogo. Ou por muito amor ou por um
descuido. O incêndio também pode ser causado pelo casamento destes dois
fatores. Pessoas quando amam são naturalmente atrapalhadas, mesmo aquelas mais
organizadas, centradas e sensatas são atabalhoadas em algum momento ou caso. Aí, sabe como é, uma faísca perto de uma
madeira e a casa vira escombros.
Tem casa que precisa ser desabitada por um tempo. Precisa
passar por algumas reformas, o piso do banheiro é muito frio, a sala tá muito
pequena e a cozinha muito grande, talvez seja melhor equilibrar isso. Em alguns
casos, a casa que precisa ser desabitada por um tempo precisa disso para que
não acabe matando seus moradores. Acontece quando há uma infiltração e o teto
pode cair, quando há uma infestação de ratos ou quando há risco de desabamento,
mas aí o caso é seríssimo e a saída tem de ser imediata.
Tem, claro, a primeira casa. Essa é aquela onde você deu os
primeiros passos, onde ganhou os melhores presentes de natal e onde não havia
muitos problemas. Na primeira casa estão o vão da porta do quarto, utilizado
para marcar a sua altura no decorrer dos anos, a sua caixa de brinquedos, hoje
empoeirados, mas que ainda dão vontade de serem brincados, os cadernos antigos
da escola, os caminhos que você já conhece milimetricamente por fazê-los há
anos. E a primeira casa também conhece você milimetricamente. A primeira casa é
capaz de perceber quando o morador está um pouco borocoxô e fazer nascer uma
flor de jasmim no quintal. Acontece também de a primeira casa ser também a do
meio ou última ou a do meio e a última, não podendo jamais esse processo ser
considerado certeiro.
Tem casa que tem intimidade o suficiente com seus moradores
ao ponto de receber um apelido – geralmente Lar. Esse tipo também pode ser a
primeira, como pode ser a do meio, ou a do fim, podendo ser a mesma e podendo
ser várias ao mesmo tempo.
Um grande problema acontece quando a primeira casa é vendida
após uma pessoa ir para a casa de morar sozinho. Às vezes acontece inclusive de
ser de repente, a pessoa já não tem muito contato com ela, até por querer
desfazer o vínculo de vez, então não há porque ter o aviso. Mas, ao saber que a
casa não lhe pertence mais, como sofre a pessoa da casa de morar sozinho! Dá
aquela dorzinha no coração e na garganta, o que funciona como um combustível pra
fazer besteira e lá vai a pessoa da casa de morar sozinho tentar invadir a
primeira casa. Cresceu lá, muito já subiu naquelas árvores e sabe quais dão
acesso. Mas não tem muito o que fazer. Aquela residência, outrora sua, agora é
o Lar de outra. Aquele quarto, outrora seu, é o descanso de outra. Aquele pátio,
outrora lugar de esconder as coisas mais especiais para serem trazidas de volta
no futuro, agora está inatingível.
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