Wednesday, November 05, 2014

Feira debate a literatura

Está em processos de se tornar passado a época em que a Feira do Livro de Pelotas se tratava de um evento cujos objetivos eram oferecer descontos em livros caros a um público subjetivado como consumidor e servir como um aprazível passeio de final de semana na praça Coronel Pedro Osório. Cada vez se encorpa mais a feira através de oficinas e rodas de conversa que pretendem não apenas corresponder ao viés comercial da literatura, mas às discussões acerca do assunto. Na 42ª edição, o carro-chefe desta é a participação dos escritores Fabrício Corsaletti, Paula Fábrio e Paulo Sandrini, que realizam nesta quinta-feira (6) uma roda de conversa, mediada pela professora Denise Bussoletti, e de quinta (6) a domingo (9) ministram oficinas em Pelotas.
Em qualquer papel
Corsaletti será o primeiro. Sua oficina, que já tem inscrições esgotadas, tem início nesta quinta-feira (6) na Bibliotheca Pública Pelotense (BPP). O assunto será a crônica, campo em que se sente à vontade, tendo em vista o recente lançamento de Ela me dá capim e eu zurro e sua participação desde 2010 como colunista do jornal Folha de São Paulo. "A partir de análises de crônicas vou discutir características dos autores e do gênero", explica.
Sobre escrever para livros e para jornais, Corsaletti afirma não ver quase nenhuma diferença. Tenta, independentemente do meio, fazê-lo da melhor forma possível e escrevera nos periódicos com o intuito também de, no futuro, reunir essa produção em um livro. Destaca, porém, a participação mais direta do leitor nos escritos feitos para esses. "O leitor dos jornais é real, reclama, elogia", afirma.
Corsaletti, que iniciou suas publicações na poesia (Movediço, de 2001, O sobrevivente, em 2003 e uma reunião em 2007 dos dois acrescidos de Estudos para o seu corpo e História das demolições), destaca também como "ótimos" os eventos literários como o que a Feira do Livro de Pelotas caminha para se tornar: estabelecendo o diálogo e o debate. "Ajudam a aproximar livro e leitor, que é o que importa", comenta.
Estreia com experiência
Para Paula Fábrio, esta transformação nos eventos literários brasileiros os fez contemplar os dois lados: tanto os descontos, importantes para o acesso da população à literatura, e a discussão acerca das letras. "Não adianta promover o preço se não há interesse sobre o livro. Creio que a discussão sobre os livros será cada vez mais crucial, a fim de resgatar os déficits educacionais que vimos acumulando nos últimos anos. Caso isso não ocorra, de nada adiantará oferecer livros com preços reduzidos", diz, destacando como expansão dessa demanda pela proximidade leitor-autor as oficinas ministradas por escritores e a interatividade proporcionada pelas redes sociais.
Paula, 44, estreou na literatura em 2013, com Desnorteio. Da melhor forma: a história de três irmãos que viraram mendigos ganhou o Prêmio São Paulo de Literatura na categoria estreante com mais de quarenta anos. Ela é, porém, exceção quando se trata de premiações, tendo em vista um número cada vez menor de mulheres contempladas e participantes em eventos literários.
Para pontuar a discussão, ela acrescenta um dado: neste ano houve um evento - a autora não cita qual pois supõe ser este um sistema automático - que contou com 35 escritores, sendo apenas uma mulher. "Suspeito que há uma herança nefasta do machismo. E isso, acredito, não é algo simples e direto, 'não contemplaremos mulheres neste e naquele prêmio', não é isto, é algo mais profundo, subliminar e às vezes até inconsciente", comenta. E explica: pouco tempo atrás, um colega lhe contou que sua editora recebia cinco vezes menos originais de mulheres que homens. Uma escritora mais radical (talvez mais calejada) sentenciou: "é que nos matam no nascedouro." Segundo Paula, esse tratamento diferenciado dado a homens e mulheres na literatura é herança de uma cultura machista persistente.
Apostas reduzidas
Paulo Santini, que ministrará O "eu" é um "outro", crê que a promoção de oficinas e rodas de conversa que debatam as letras em eventos literários fazem parte de uma espécie de resistência, por não segregarem autores que não estão no eixo de grandes editoras. "Isso promove ao mesmo tempo uma variante de vozes literárias diferentes, concordantes ou divergentes tornando o debate acerca das letras bem mais interessante", comenta, afirmando que esta pluralidade nem sempre é promovida pelo mercado editorial. "O ideal de uma feira, creio eu, é privilegiar o acesso às pessoas a escritores e obras que, talvez, sem a feira, elas não chegariam a conhecer", completa.
Sobre o momento para escritores, ele acompanha a colega em certo pessimismo. Cita a primeira década dos anos 2000, quando, afirma, havia menos temor por parte das editoras em publicar autores menos conhecidos, sem preocupação com o mercado. "E sejamos sinceros, mercado pra quem? O mercado não é grande para a literatura. Por isso, Atualmente, as apostas são mais reduzidas. O tiro precisa ser mais certeiro", critica o autor de Vai ter que engolir, O estranho hábito de dormir em pé e Código d'incríveis objetos & histórias de lebensraum, todos de contos, lamentando ainda a baixa receptividade do gênero nas editoras.

*Matéria escrita para o Diário Popular

No comments:

Post a Comment