Monday, February 18, 2013

Um inseto pousou em meu ombro


Não sei direito qual, é um daqueles que entram pela janela do quarto nas madrugadas de verão e quando a gente acorda eles não estão mais lá.  Mas bem maior. Tem grandes olhos pretos e o corpo meio alaranjado na parte de baixo e uma coisa meio cinza em cima.
Passei a mão no ombro para tirá-lo.
O bicho se assustou e saiu voando.
Direto para o ventilador, que friamente o corta ao meio. Uma parte cai no chão e a outra fica presa nas grades.
Morte na hora, penso eu. E fico alguns segundos parado olhando a cena ao mesmo tempo em que tento processá-la. Tudo isso aconteceu em questão de três segundos. Um, vejo o bicho no meu ombro. Dois, tiro. Três, ele é partido ao meio. Como a morte é rápida, meu Deus do céu. Como a vida é curta, meu Deus do céu. De um segundo para outro todo mundo puft, seja humano ou inseto que só especialistas em inseto sabem o nome.
Passados alguns segundos a parte do bicho que caiu no chão começa a se mexer. Felicidade, penso eu. Só abrir a janela, soltá-lo no mundo e ir dormir com o ventilador me refrescando. Mas o bicho não consegue voar. Tenta com todas as suas forças, se debate incessantemente, mas as leis da aerodinâmica o condenaram a não sair mais do chão.  E o ventilador girando.
O inseto ali, me olhando com aqueles olhos pretos e gigantes que se dividem em ter medo e verem em mim uma oportunidade de salvação. Tenho que salvá-lo, penso. Surge a ideia de amarrar o restante que ficou preso nas grades ao pedaço que bate asas, pois parece realmente ser um caso de falta de peso, mas obviamente não sei como proceder, então desisto. E se esgotam as ideias para salvar o bicho que fora cortado ao meio porque deixei a janela aberta por causa do calor. E o bicho aqui, do meu lado, tirando forças das forças das forças para tentar voar, mas começando a cair a ficha de que não conseguirá.
Que morrerá nesse lugar estranho.
Que nunca mais verá os filhos, órfãos e sem ter o que comer a partir de agora.
O mais velho terá de sair da faculdade para trabalhar, até que um dia será cortado ao meio por um objeto cortador não identificado.
Tento descobrir na internet de que inseto se trata para descobrir o quão ligados à família eles são.
Tenta mais uma vez sem sucesso alçar voo.
Começo a pensar em dar-lhe o golpe de misericórdia. Acabar com seu sofrimento e ir para a cama descansar, pois amanhã será um longo e cansativo dia. Porém, lembro que eu sou eu e que nunca teria coragem para tal. Você leitor também não teria. A gente diz que teria, mas na hora dá para trás. Óbvio que é a melhor opção. Mas não é uma opção. Enfiar uma estaca no peito do bicho e dormir como se nada tivesse acontecido não está nos planos. Lembro do recente caso em que minha cadela estava no último estágio de um câncer que iniciou nas mamas e em questão de dias se espalhou para os pulmões. Ela foi levada ao veterinário já com a possibilidade da eutanásia na mesa, mas o próprio doutor via o processo com resistência. Talvez pelo mesmo pensamento que me corrói agora: Sou contra porque sou eu quem irá proceder.  Na verdade, este foi o principal desempate entre seguir a carreira de jornalista e de médico veterinário. Ver bicho sofrendo pelo resto da vida não estava nos meus planos e eu respeito profundamente a profissão muito também por essa frieza necessária que eu, escritor, não tenho e por isso escrevo ao invés de tentar fazer algo pelo inseto.
Já faz duas horas desde que o bicho foi cortado pelo ventilador. Acho que vou dormir e esperar para ver amanhã o que se sucedeu durante o restante da madrugada. Como sempre na vida.
Pensar que meia hora antes do acontecido eu havia cogitado seriamente ir dormir. Fecharia a janela e nada disso teria acontecido. 

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