Não sei direito qual, é um daqueles que entram pela janela do quarto
nas madrugadas de verão e quando a gente acorda eles não estão mais lá. Mas bem maior. Tem grandes olhos pretos e o
corpo meio alaranjado na parte de baixo e uma coisa meio cinza em cima.
Passei a
mão no ombro para tirá-lo.
O bicho se
assustou e saiu voando.
Direto para
o ventilador, que friamente o corta ao meio. Uma parte cai no chão e a outra
fica presa nas grades.
Morte na
hora, penso eu. E fico alguns segundos parado olhando a cena ao mesmo tempo em
que tento processá-la. Tudo isso aconteceu em questão de três segundos. Um,
vejo o bicho no meu ombro. Dois, tiro. Três, ele é partido ao meio. Como a
morte é rápida, meu Deus do céu. Como a vida é curta, meu Deus do céu. De um
segundo para outro todo mundo puft, seja humano ou inseto que só especialistas
em inseto sabem o nome.
Passados
alguns segundos a parte do bicho que caiu no chão começa a se mexer.
Felicidade, penso eu. Só abrir a janela, soltá-lo no mundo e ir dormir com o
ventilador me refrescando. Mas o bicho não consegue voar. Tenta com todas as
suas forças, se debate incessantemente, mas as leis da aerodinâmica o
condenaram a não sair mais do chão. E o
ventilador girando.
O inseto
ali, me olhando com aqueles olhos pretos e gigantes que se dividem em ter medo
e verem em mim uma oportunidade de salvação. Tenho que salvá-lo, penso. Surge a
ideia de amarrar o restante que ficou preso nas grades ao pedaço que bate asas,
pois parece realmente ser um caso de falta de peso, mas obviamente não sei como
proceder, então desisto. E se esgotam as ideias para salvar o bicho que fora
cortado ao meio porque deixei a janela aberta por causa do calor. E o bicho
aqui, do meu lado, tirando forças das forças das forças para tentar voar, mas
começando a cair a ficha de que não conseguirá.
Que morrerá
nesse lugar estranho.
Que nunca
mais verá os filhos, órfãos e sem ter o que comer a partir de agora.
O mais
velho terá de sair da faculdade para trabalhar, até que um dia será cortado ao
meio por um objeto cortador não identificado.
Tento
descobrir na internet de que inseto se trata para descobrir o quão ligados à
família eles são.
Tenta mais
uma vez sem sucesso alçar voo.
Começo a
pensar em dar-lhe o golpe de misericórdia. Acabar com seu sofrimento e ir para
a cama descansar, pois amanhã será um longo e cansativo dia. Porém, lembro que
eu sou eu e que nunca teria coragem para tal. Você leitor também não teria. A
gente diz que teria, mas na hora dá para trás. Óbvio que é a melhor opção. Mas
não é uma opção. Enfiar uma estaca no peito do bicho e dormir como se nada
tivesse acontecido não está nos planos. Lembro do recente caso em que minha
cadela estava no último estágio de um câncer que iniciou nas mamas e em questão
de dias se espalhou para os pulmões. Ela foi levada ao veterinário já com a
possibilidade da eutanásia na mesa, mas o próprio doutor via o processo com
resistência. Talvez pelo mesmo pensamento que me corrói agora: Sou contra
porque sou eu quem irá proceder. Na
verdade, este foi o principal desempate entre seguir a carreira de jornalista e
de médico veterinário. Ver bicho sofrendo pelo resto da vida não estava nos
meus planos e eu respeito profundamente a profissão muito também por essa
frieza necessária que eu, escritor, não tenho e por isso escrevo ao invés de
tentar fazer algo pelo inseto.
Já faz duas
horas desde que o bicho foi cortado pelo ventilador. Acho que vou dormir e
esperar para ver amanhã o que se sucedeu durante o restante da madrugada. Como
sempre na vida.
Pensar que
meia hora antes do acontecido eu havia cogitado seriamente ir dormir. Fecharia
a janela e nada disso teria acontecido.
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