Thursday, February 06, 2014

Marcado pela insatisfação

“Somos a bola da vez”. Assim César Charlone, diretor e fotógrafo uruguaio responsável pela direção de O banheiro do papa (2007) e pela fotografia de filmes como Ensaio sobre a cegueira(2008), O jardineiro fiel (2005) e Cidade de Deus(2002), define o momento vivido pela América latina, tanto no cenário cultural, como no cenário econômico e social. Enquanto seu filme La redota - Histórias de Artigas era exibido na semana acadêmica dos cursos de Cinema da UFPel, o cineasta conversou com o Diário Popular sobre estas e outras questões.
Charlone pertence a uma geração marcada por uma insatisfação com o sistema capitalista e seus traços na sociedade, o que, segundo ele, se refletiu na escolha das profissões. Enquanto alguns colegas partiram para o jornalismo investigativo e a advocacia voltada para a defesa de presos políticos, sua vocação se mostrava mais artística. Resolveu então contribuir através do Cinema de denúncia. “E me interessei por isso, comecei a frequentar um cineclube no Uruguai que tinha essa preocupação de mostrar documentários e filmes políticos, como de Santiago Álvarez”.
Atual momento do Cinema
Vive-se duas revoluções no mundo cinematográfico atual, segundo Charlone. A primeira, maior, é de nível mundial e abrange outras áreas que não somente a Sétima Arte. É o surgimento da plataforma digital, aliado à democratização dos meios. “Olha como eu fazia filmes no início: eu tinha uma colega cujo pai era encarregado de resolver a final das corridas de cavalo. Tinha câmeras de 16mm apontadas para a linha de chegada e, quando acontecia um possível empate, eles usavam um reversível. Ele levava num laboratório lá mesmo no jóquei, revelava e fixava o quadro para ver quem tinha ganho. A gente revelava nossos filmes lá”. Muito diferente do cenário atual, em que um filme gravado com uma câmera fotográfica digital tem a chance de ser exibido em Cannes, como foi o caso do uruguaio A casa, de 2010, com exibição neste e em outros festivais internacionais.
A isso soma-se a maior facilidade de divulgação trazida pela democratização dos novos meios. “Hoje você produz e coloca no Vimeo, no Youtube, tem grande qualidade e muita gente vê. A revolução é oPorta dos fundos. Daqui a uns anos, quando olharmos a história do Cinema, isso será o principal”, afirma.
Charlone também destaca o maior reconhecimento e repercussão do Cinema latino-americano, mas ressalta que a principal conquista é o fato de os latino-americanos estarem se assistindo. “Pegamos carona com a Argentina e o México, com o próprio Cinema Novo que já tinha começado. Mas o importante primeiro é a gente se ver. Filme equatoriano num festival do Equador, como vi”.
Essa vitrine cinematográfica em que se encontra a América Latina parece passar pela sociedade como um todo. “Estamos bem. Tem muito para fazer, mas estamos governados por um projeto social. Não é uma pessoa, um partido. Não é o Pepe (Mujica) ou a Dilma. São várias pessoas que lutam por um lugar melhor e que agora estão conseguindo que os uruguaios pelo menos comam e se eduquem. Acho que estamos indo bem”, afirma o diretor.
Lei da TV paga
Com o objetivo de aumentar a produção e a circulação de conteúdo audiovisual brasileiro diversificado e de qualidade, o governo Federal sancionou, em 2011, a Lei da TV Paga, que obriga canais predominantemente exibidores de filmes, séries, animações e documentários à veicularem produções brasileiras por três horas e trinta minutos semanais de seu horário nobre - das 11h às 14h e das 17h às 21h nos canais direcionados para as crianças e de 18h à 0h para os demais. Charlone, que trabalha no seriado Destino: São Paulo, da HBO, mostra entusiasmo com a iniciativa. “Isso é conquista de espaço. Lamentavelmente o estímulo ao Cinema de tela não está voltando pro contribuinte que paga imposto. Essa grana que sai do nosso bolso vai pra produção de um filme que é visto por três mil pessoas. Uma minissérie que fala sobre assunto nacional, que é escrita por roteiristas nacionais e vista por milhões, acaba sendo bem mais interessante pro contribuinte”.
Falta de recursos como estímulo à criatividade
Não é segredo a dificuldade em produzir Cinema quando o assunto é a captação de recursos. Principalmente na América Latina, longe ainda de receber a repercussão de público e os investimentos financeiros oriundos dela que as produções norte-americanas e europeias têm. Uma explicação para as constantemente melhores histórias contadas no Terceiro Mundo é dada por Charlone: “Acho que a falta de recursos é uma provocação para inventar. Mas tem que ter dinheiro. Acho que é função do Estado financiar cultura, através da construção de salas de cinema. Tem que ter órgãos que promovam isso, criando salas que exibam filmes bons não porque dará dinheiro, mas porque são educativos e relevantes. Assim como conquistamos o espaço na TV a cabo, temos que conquistar o espaço dos cinemas”, afirma.

*Matéria escrita para o Diário Popular

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