Thursday, February 13, 2014

Cinema ao Sul do mundo

O momento é de destaque. Apesar de haver muito ainda o que se construir, há de se concordar que a América Latina está na vitrine do mundo, embora ainda tenha de ser discutido o quanto isso é positivo e muda de fato a vida das pessoas daqui. Com leis progressistas decretadas por um presidente que dirige um fusca, o Uruguai foi considerado o país do ano passado pela revista britânica Economist. Com a Copa do Mundo, as Olimpíadas de 2016 e os protestos contra a vinda destes eventos para cá, o Brasil estampou capas de jornais do planeta inteiro em 2013.
Esse protagonismo parece refletir-se no cinema produzido pelo Sul da América, que conquistou seu segundo Oscar em 2010 com o argentino O segredo de seus olhos e dois consecutivos prêmios Urso de Ouro de Melhor Filme no Festival de Berlim, com o brasileiro Tropa de elite, em 2008, e o peruano La teta asustada um ano depois. Em 1998, o Brasil já havia vencido com Central do Brasil.
Um panorama sobre esse atual momento passa por análise de suas características. Historicamente, o cinema latino-americano fora qualificado como uma escola mais realista que as demais. Enquanto Hollywood, por exemplo, canta o mundo inteiro e assim o conquista, as produções feitas mais ao Sul prezam por histórias sobre a sua gente, sendo cases com este objetivo os de maior sucesso.
Da América Latina para a América Latina
Em mesa de debates do Buenos Aires Festival Internacional de Cine Independiente intitulada Nuevos Caminos del Cine Latinoamericano, a colombiana Mónika Wagenberg, diretora do Festival de Cine de Cartagena e idealizadora da Cinema Tropical (distribuidora de cinema latino-americano nos Estados Unidos) propôs explicações para essa excitação criativa, acompanhada de renovação, e credita exatamente a esse viés mais realista o êxito: “O que vemos é uma preocupação, um compromisso com o que é real”, afirmou. Mónika ainda disse considerar um momento de produções extremamente autorais. “Também filmes intimistas, pessoais, que não querem julgar. São filmes de personagens, que tratam espaços interiores, o mundo dos sentimentos e famílias comuns e disfuncionais”.
Porém, o fato de o cinema latino-americano estar alcançando novo patamar de reconhecimento não é, para todos, o principal triunfo. César Charlone, diretor uruguaio de O banheiro do papa e responsável pela fotografia de filmes como Cidade de Deus, acredita que o maior contato do próprio público latino com suas produções é o que mais conta. “O importante primeiro é a gente se ver. Ver filme equatoriano num festival do Equador, como vi. Filme peruano no Peru”, afirmou em entrevista ao Diário Popular. Charlone também vê com destaque o firmamento de acordos de coprodução cinematográfica entre países latinos. “Tem recentemente assinado um entre Brasil e Uruguai, já havia um entre Brasil e Argentina. São fundamentais. É assim no cinema europeu. Você não vê um filme que não seja uma coprodução de vários países. Isso abre salas, abre público”, disse.
A seguir o leitor encontra exemplos atuais e clássicos desta característica latina de se produzir filmes: contando histórias a partir de sua própria história. A partir de seu próprio povo.
Brasil
Tropa de Elite (2007)
Vencedor do Urso de Ouro de melhor filme no Festival de Berlim, o mais recente sucesso brasileiro de público e crítica surgiu em 2007 antes mesmo de chegar às telonas. Foi o primeiro filme produzido no Brasil a vazar, meses antes, para o mercado pirata e a internet. O longa, dirigido por José Padilha, gerou interpretações mistas. Capitão Nascimento, o protagonista vivido por Wagner Moura, chegou a ser considerado um herói nacional, ideia fortemente rechaçada por Padilha, que afirmou ter sido exatamente contrária à mensagem a ser passada. Capitão Nascimento não era herói, mas sim vilão e o próprio endeusamento do personagem tinha o objetivo de servir de alerta. Veio então o segundo filme, com o intuito de desconstruir a imagem que a opinião pública brasileira havia erroneamente construído a seu respeito.
Terra em transe (1967)
Exatos 40 anos antes estava a pleno vapor no Brasil o Cinema Novo. O movimento, composto por nomes como Cacá Diegues, Gustavo Dahl e Glauber Rocha, surgiu em meados dos anos 1950 como uma antropofagia do neorrealismo italiano e da nouvelle vague francesa. O resultado esperado era um cinema que refletisse mais a realidade brasileira, com mais conteúdo e menos custo, e que fosse contra à alienação cultural causada pelas chanchadas.
Terra em transe, de Glauber Rocha, venceu o Festival de Cannes e pertence à segunda fase do movimento, prolongada de 1964 a 1972 e com o objetivo de refletir sobre o momento de Ditadura Militar e suas consequências no Brasil. Por caracterizar-se como um grupo de confronto à política de desenvolvimentismo imposta pelos militares, o Cinema Novo, aos poucos, dissolveu-se, porém se renovando com a criação do cinema marginal.
Argentina
O segredo dos seus olhos (2009)
Em 2010 O segredo dos seus olhos foi o segundo filme latino-americano a vencer o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro (o primeiro você saberá logo abaixo). Baseado no livro La pergunta de sus ojos, o longa conta a história de Benjamín Espósito, um ex-servidor da justiça penal argentina que, recém-aposentado, procura aproveitar o tempo livre para escrever um livro. Para tal, inspira-se em um caso real ocorrido 25 anos antes e que sempre o comoveu: o brutal estupro seguido de assassinato de uma bela jovem, Liliana Colotto.
O segredo dos seus olhos foi o responsável por trazer ao conhecimento do grande público o provável principal personagem da nova fase do cinema argentino. Ricardo Darín parece onipresente nas produções hermanas atuais, mas talvez a verdade seja que apenas chegue até nós aqueles longas alavancados por sua presença.

A história oficial (1985)
Primeiro longa latino-americano a vencer o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, A história oficial, de 1985, também surge, assim como Terra em transe, como forma de reflexão sobre um período de ditadura, nesse caso a Revolução Argentina, como ficou conhecido o período em que os militares governaram o país vizinho.
O longa conta a história de Alicia, uma conservadora professora de História que parece estar alheia à realidade do país e acreditar nas informações transmitidas pelo governo. Em decorrência disso, a protagonista começa a ser confrontada pelos alunos. Com a chegada de uma amiga que havia sido torturada e exilada pelo regime, Alicia começa a abrir os olhos para a verdadeira história argentina da época.
Uruguai
A Casa (2010)
Quatro dias foi a duração das filmagens do terror uruguaio A Casa, de 2010. Dirigido por Gustavo Hernández, o filme tem outro dado incrível, tendo em vista os altíssimos orçamentos cinematográficos atuais: Foi rodado com apenas US$ 6 mil. Filmado com uma câmera dessas que eu e você temos em casa, o longa foi exibido em Cannes, entre outros festivais internacionais.
Equador
A que distância (2006)
A produção cinematográfica no Equador vive grande momento. Um dos grandes exemplos disso é a diretora Tania Hemida, que lançou em 2011 Em nome da filha e já havia dirigido, em 2006, A que distância, filme rodado em montanhas e praias de oito províncias do país, Pichincha, Cotopaxi, Tungurahua, Chimborazo, Cañar, Azuay, Manabí e Guayas.
Peru
A teta assustada (2009)
Após a vitória do argentino O segredo dos seus olhos no Festival de Berlim de 2008, no ano seguinte foi a vez de outro sul-americano: A teta assustada, peruano dirigido por Claudia Llosa garantiu a dobradinha.
O filme, que também venceu o Festival de Cinema de Havana, é baseado no mito andino de que as mulheres estupradas passam uma doença rara, chamada teta assustada, para os filhos provenientes do crime, através do leite materno. A protagonista, Fausta, tem a síndrome, pois a mãe fora estuprada durante a década de 1980. Ela então resolve fugir do mundo para evitar que o mesmo a ocorra.

*Matéria escrita para o Diário Popular

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