Monday, October 27, 2014

Rap de quem não se rende

Muito bom momento vive o rap em Pelotas.Principalmente no que diz respeito à produção: a nova safra tem se preocupado bastante com o profissionalismo de seus trabalhos, através de batidas próprias e letras com conteúdo. Um dos grandes exemplos para esta geração, pois, a Família IDV (Ideologia de Vida) lançou na semana passada um disco após quase dez anos sem lançar nada físico. É IDV, que sucede Alforria, de 2005, com faixas produzidas de 2006 para cá.
São 17 músicas que mostram uma das principais evoluções desenvolvidas no rap da Zona Sul: todas elas são feitas por beatmakers daqui em estúdios situados na região. Segundo o rapper Gagui IDV, o objetivo do lançamento é agrupar todas essas composições, disponibilizadas soltas durante os anos. Organizar o material de forma física para o apresentar.
Gagui afirma que o lançamento também partiu pela cobrança do público. "O pessoal nos cobrava nas ruas também. Então às vezes a gente ia lá, gravava uma mp3. Até que decidimos juntar tudo mesmo."
Sempre social
Sobre a proposta do novo trabalho, Gagui diz que nada mudou. "Comecei a cantar rap em 98. Sempre tive cuidado com a proposta social. Fazer o rap com conteúdo, com protesto. Nunca me influenciei por modismos, tratar outros temas. Sempre tratei o rap como coisa séria. Aconselhando", afirma, argumentando que conheceu o estilo nos anos 90, auge de artistas como os Racionais MC's, Thaíde e Sistema Negro. "Trago bastante isso na minha concepção de rap. Dele ser um instrumento de transformação. Ser algo voltado ao lado social, à crítica. Curto e respeito quem vai por outra vertente, mas a minha ideia é a postura de protesto", completa.
Todavia, Gagui vê essa variação no discurso do rap como uma transformação. Mudou e ele teve de acompanhar essa mudança. É outra geração, outros problemas e outros protestos. "Às vezes nem protesto. Acho válido. Muita gente fala que o rap se perdeu, mas eu não vejo dessa forma. É adaptação. O mundo não é mais o dos anos 90. Os guris que fazem rap na cidade, nunca vi tão forte, com tanta gente boa e preocupada com o profissionalismo, em ter uma apresentação boa, com boa produção."
Na cidade
Ainda sobre a cidade, Gagui destaca a Semana Hip Hop de Pelotas, reivindicação sua à Câmara de Vereadores quando trabalhava com o deputado Catarina Paladini (PSB) a questão no Estado. A partir daí, várias cidades, como Rio Grande, Esteio e Pelotas aprovaram lei que incluiu o evento no calendário oficial do município. "Acho superimportante uma semana voltada a uma cultura de transformação. Muitas vezes o governo falha em não proporcionar cultura e lazer para a periferia, então o hip hop faz esse papel que não é o simples protesto", comenta, destacando que a iniciativa surgiu por, diz, haver um abandono dos bairros. "Conseguimos mostrar que o rap vem fazendo um trabalho de resgate e de socialização nas periferias."
Gagui fala também sobre a força da cena atual do rap pelotense. Ele concorda com o rapper F.I.L.L., autor de Três pintas em minha mente quando este afirma serem as rimas daqui mais talentosas do que as da capital gaúcha. Conta que, quando começou, a referência eram os grupos de Porto Alegre, como o Da Guedes. Ao que estes terminaram suas atividades em paralelo com o crescimento da cena pelotense. "Então o foco veio pra cá. O próprio pessoal de lá reconhece isso. A gente tem Pok Sombra, Guido, F.I.L.L., uma safra que Porto Alegre não tem."
O rapper diz crer, inclusive, que a cena pelotense só não cresce mais exatamente pelo fato de não estar em uma capital. "Se fossem os mesmos caras em São Paulo com certeza estariam trabalhando e vivendo do rap." Ele critica certa postura de colonização por parte dos artistas portoalegrenses em relação aos de Pelotas. "Nos perguntavam quando que a gente ia trazê-los para tocar aqui. Era uma visão meio colonizadora, porque nunca nos levavam para tocar lá. Fomos fortalecendo a nossa cena aqui, a deles foi enfraquecendo lá e os caras tiveram que abrir as portas pra gente."
Poder Público também deve
Outro ponto, acredita, é a falta de políticas públicas voltadas para a cultura - não apenas do rap. Cita a dificuldade em se poder viver da arte em Pelotas. "Eu mesmo trabalho no comércio, o rap acaba ficando em segundo plano. Falta uma estrutura que nos dê cachê e a gente possa sustentar a família com esse trabalho."
Vai além: no hip hop a situação é ainda mais complicada, levando em conta seu viés político e de conscientização. "Isso não é viável, eles não querem que o pobre do gueto pense. Querem ele anestesiado, entregue à criminalidade. A gente vem com a proposta de fazer o cara pensar no porquê de não ter tido oportunidades na vida. Aí jogamos em cima do governo. Não tive acesso porque a minha vida foi diferente de quem veio de outra classe social", afirma, acrescentando que participa de conselhos de cultura há dez anos e nunca viu políticas voltadas à cultura da periferia ou que busquem a descentralização.

*Matéria escrita para o Diário Popular

Sunday, October 19, 2014

Cultura que vem das ruas em debate

O barulho da lata de tinta é praticamente uma extensão do sample. Dita o ritmo da dança e é semelhante ao quique da bola. Pudera. O hip hop, lido como manifestação cultural dos guetos, é mais do que a soma de elementos como o grafite, o rap, o break dance e o basquete. Utilizando as ruas como cenário em comum. Juntar todas essas manifestações e valorizá-las é o objetivo da Semana do Hip Hop, que invadiráPelotas a partir desta segunda-feira (20).
A iniciativa surgiu através da reivindicação do rapper Gagui Idv, que a levou para a Câmara de Vereadores através do vereador Ivan Duarte em 2011. Na ocasião foi criada a lei 5.845, voltada à criação da Semana Hip Hop de Pelotas.
Desde então a associação, surgida pouco antes, toca o projeto e faz trabalhos de resgate de artista e de pessoas que estão afundadas nas drogas, através de oficinas e workshops em escolas e entidades comunitárias - às vezes nas próprias ruas dos bairros. "É um trabalho de formiguinha. A gente faz e através disso vai resgatando essas pessoas, trazendo elas para a volta e em seguida as instrumentalizando. É tornar visível uma pessoa que estava na invisibilidade", comenta o coordenador da associação, Vagner Matos.
Segundo ele, o hip hop tem o poder de modificar totalmente a vida de uma pessoa - é um mecanismo de transformação. Qualquer um dos elementos, música, dança, esporte e grafite, é definitivo. "É a transformação através da cultura. Não é só cantar, fazer o grafite, dançar. Existe toda uma metodologia, uma narrativa, uma discussão político-social que o hip hop leva. Denuncia as políticas públicas, sociais, a criminalidade e a violência. É uma ferramenta que, além de transformar, informa."
É arte e é mensagem
O muro está em branco. O motivo, a pouca utilização do espaço - ou a utilização de modo que, acredita, não é da melhor forma. É um desperdício mantê-lo assim, virgem. Uma cor não só não faz mal como fará bem. Não só para si, mas para quem passar por ali.
Gabriel Alves, ou Gas, começou a grafitar aos 12 anos. Tem no antebraço tatuagem com o rosto do rapper Notorious B.I.G. Natural de Rio Grande, agora mora em Pelotas e busca se inserir em um mercado que vê ainda restrito por aqui. Segundo ele, grande parte dos grafiteiros se vê obrigada a praticar outra atividade para se sustentar. "Tenho uma subvida que é o que me traz comida e isso aqui serve para me fazer feliz", afirma.. Ele diz inclusive que alguns colegas viraram tatuadores para seguir fazendo o que gostam de maneira mais rentável. Gas conta que até consegue ganhar algum dinheiro com o grafite, mas gasta tudo com o material, de custo elevado.
Gas atualmente ministra oficina de grafite em uma escola. Lá, lida com a questão histórica e prática da arte, bem como o modo com que ela se inseriu na sociedade, "o jeito com que a população lidava com ele de forma criminosa, a ponto de prefeituras criarem projetos para limpá-los", afirma, referindo-se à imagem que o grafite luta para se afastar, de se limitar à sujeira de uma cidade.
Tentar discutir o papel dele hoje em dia é o objetivo de uma das palestras da Semana do Hip Hop, baseada na questão do grafite e da pichação. Quem a ministrará é a professora Celia Constenla. "Abordaremos as diferentes formas de intervenção urbana, como elas surgiram, quais as diferenças entre elas e a importância da educação ambiental e do cuidado com o patrimônio público de nossa cidade", conta.
Diferenças e semelhanças
Segundo ela, a diferença está em a pichação ser uma provocação para as autoridades e demarcação de território "sem qualquer pretensão artística, caracterizada pelo ato de escrever frases ou assinaturas em muros, prédios, monumentos e vias públicas, sendo um ato de vandalismo", enquanto o grafite "se caracteriza pela qualidade técnica que envolve planejamento detalhado, frases poéticas e desenhos mais elaborados, feitos com estêncil ou a mão livre, sendo realizado com o objetivo de valorizar o patrimônio."
Já Gas não vê exatamente uma diferença entre os dois em relação à estética: está mais relacionada à permissão ou não da manifestação. "Grande parte dos grafites está bastante relacionada com a pichação. Normalmente o que a gente vê de pichação são discursos de ordem. O grafite começou assim também. É a mesma coisa só que foi permitido", diz, salientando que usa como regra não grafitar - sem autorização - casas de pessoas de classe baixa. "Este local aqui (um terreno composto por grama alta, algumas paredes, diversos pacotes de preservativo abertos e variados utensílios para uso de drogas), por exemplo. É abandonado, ninguém habita. É usado pro mal, inclusive. Se fossem me cobrar por pintar aqui, teriam que cobrar os outros que vêm aqui e se drogam também."
Célia lembra que, até 2011, grafite e pichação eram a mesma coisa aos olhos da lei: criminalizados da mesma forma. Segundo ela, há preconceito em relação ao primeiro e a solução passa pela conscientização nas escolas de que pichação trata-se de um crime ambiental e contra o patrimônio.
Das quadras para o céu aberto
Os movimentos confundem - e que bom que seja assim: é dança ou é esporte? Por que não os dois? Esse é o conceito do basquete de rua, braço mais esportivo do hip hop. Nessa modalidade são deixadas de lado características essenciais da versão de quadra. Se vai a importância principal em relação aos pontos e entra a brincadeira através de manobras. Chega a ser mais artístico do que de fato um esporte, comenta Guilherme Tavares. "Em jogos tu vês muita técnica. Na modalidade street isso é um pouco abandonado pelo fato de passar mais a ideia de brincadeira. A moral é enganar o outro na quadra até fazer ponto", explica.
Michel Knuth lembra a semelhança com o break dance. "Os movimentos em quadra são parecidos e quem dança tem bem mais facilidade para jogar." Eles exemplificam com uma oficina que ministraram em 2009 ligada a Central Única das Favelas (Cufa). O objetivo era realizar malabarismos com a bola. Porém, um participante resolveu utilizar o break junto e colocou uma música. "Mostrou a ligação entre a música hip hop, break dance e basquete", comenta Tavares. Ele lembra também que o basquete de rua nasceu do fato de a população das periferias não ter acesso a quadras bem equipadas para o desempenho do esporte.
Nas rimas
"Tem que trabalhar bastante ainda." Com certeza na voz, assim fala Filipe Fontoura, o F.I.L.L., rapper pelotense que recentemente lançou Três pintas em minha mente, disco que aborda sua "tripolaridade". Sua fala tem a ver com o momento vivido pelo rap na cidade: frutífero, com boa aceitação da população, mas em momento algum permitindo baixar a guarda. "Tem que trabalhar a imagem ainda. Se profissionalizar, buscar a autogestão.
F.I.L.L. afirma que, apesar de estar ouvindo bastante, Pelotas já ouviu mais sua própria cena, a qual considera mais forte e talentosa do que a de Porto Alegre. Cita outros rappers como Zudizilla (Luz), Pok Sombra (Aonde vou chegar) e Garcez DL (NaturezAÇÃO). "A cidade já ouviu mais, mas tem reconhecido bastante nosso trabalho. Já lá em cima estão nos escutando", afirma. Recentemente, KL Jay, membro dos Racionais Mc'S citou Zudizilla como um dos principais nomes da nova geração do rap.
Representante de outra leva - faz rap desde 1990 - , Ligado Branco Radical começou com seu grupo Mc'S Radicais, na Guabiroba. "Sou de uma época em que o rap falava das quebradas, da periferia, influenciava o jovem a se informar e não fazer parte do sistema. Meu rap é de resgate, de transformação", diz, afirmando acreditar na revolução que o rap fez em sua vida, o deixando longe do álcool e das drogas.
No passo da dança
A dança, quando o assunto é hip hop, não foge à regra: é nas ruas que se desenvolve de forma mais natural, livre. É com técnica aliada à liberdade e à brincadeira nos passos. É o break dance e a dança de rua, que através do Trem do Sul, tem em Pelotas grande força.
O grupo formou-se em 2006, quando Paulo Monteiro resolveu levar para a sua escola, a Nossa Senhora dos Navegantes, a proposta do Piratas de Rua, que representava o break dance na cidade à época. A iniciativa cresceu e Monteiro tornou-se o coreógrafo oficial de um grupo que passou a batalhar de igual para igual com as principais companhias do estilo por títulos em campeonatos sul-americanos, sempre com o objetivo principal de mostrar ser possível vencer na periferia através do talento.
A mais recente vitória foi a participação no Campeonato Mundial de Hip Hop, em Las Vegas, onde representaram o Brasil. Após intensa luta para conseguir apoio para viajarem, os membros lá estiveram e receberam elogios. Tagner Mattos, que ministrará na Semana do Hip Hop uma oficina de locking, foi elogiado pelo criador do estilo e tornou-se o primeiro brasileiro a avançar para as quartas de final na categoria.
Um zine do gueto
Do final dos anos 1990 até o início dos 2000, todas estas vertentes do Hip Hop, principalmente suas versões pelotenses, estiveram presentes e encontraram espaço para divulgação e debate em uma publicação feita por quem vive a manifestação cultural diariamente. Foi em 1998 que Jair Brown criou o zine Batida de rua, com o objetivo de espraiar para outros lugares o que se fazia em relação ao hip hop na cidade.
Pegou então outros fanzines para se basear, chamou Elio Stolz e decidiu lançar o seu. O início foi complicado, como toda produção independente: Brown não sabia muito bem como imprimir e o custo era muito elevado para uma iniciativa sem muitos apoios. "O primeiro fui eu que escrevi inteiro, mas depois fui agregando pessoas que se identificassem com a proposta para darem sua contribuição", conta.
Brown explica que Batida de rua foi criado com a intenção de destacar Pelotas. "Tínhamos um monte de grupos de rap, dança e grafite, mas muita gente achava que na cidade só tinha gaudério", diz, contando que passou a mandá-lo para outros lugares através de trocas com outras pessoas do país inteiro. "Até hoje tem gente que ainda me pede", conta.
E ele pretende voltar: a ideia era retornar com o Batida de rua já este ano, mas outros projetos impediram. Para 2015 deve acontecer. "Sinto que está fazendo falta pro pessoal do hip hop, tem muita gente hoje consumindo a 'cultura bunda', que não ensina nada. A molecada podia estar aprendendo algo cultural e se perde", comenta.

*Matéria escrita para o Diário Popular

Friday, October 17, 2014

Musa Híbrida no Galpão nesse sábado

A nova fase do Galpão Satolep já recebeu eventos voltados ao rock, ao funk, ao hip hop e a todos estes juntos. Receberá em novembro o punk da Ratos de Porão. Neste final de semana será a vez do lirismo eletrônico e engajado da Musa Híbrida, que se apresenta na casa neste sábado (18), às 23h59min, em festa organizada pela banda e batizada de Felicidade Clandestina, mesmo nome de música do trio e de um dos livros mais sensíveis da escritora Clarice Lispector.
A Musa nasceu em 2012 juntando dois ex-Canastra Suja, Alércio Pereira e Vini Albernaz com a voz docemente sensual de Camila Cuqui e apresenta proposta que une as tendências eletrônicas da música atual (acrescidas aqui da suavidade de Albernaz) com uma pitada essencial de Brasil. O primeiro disco, homônimo e lançado final de 2012, decretou o trio como principal queridinho da juventude tida como alternativa em Pelotas. Não só pelas músicas: as letras tocam diretamente o universitário pelotense, oriundo dos mais diversos pontos do Brasil. Tocam por abordar temas atuais e que lhe diz respeito, como as liberdades individuais e o mundo on-line, caso da irônica Hashtag.
O primeiro show, diga-se, foi no próprio Galpão, ainda em 2013. Albernaz afirma que é o lugar mais importante da cena musical da cidade. "É ali que muita banda nasceu e circulou", diz.
Mais eletrônico
A fórmula, aprovada pelo público e pela banda, foi reforçada no segundo trabalho: Verde fosco roxo cinza investe ainda mais no eletrônico, se aproximando da estética de bandas como o The XX e Chvrches.
Segundo Albernaz, não há um rompimento de fato com o anterior, mas um resgate de elementos trabalhados pelo trio em seu princípio. "Essa coisa do eletrônico e de usar instrumentos não tão familiares ainda é novidade, mas acredito que conseguimos encontrar uma sonoridade mais nossa, mesmo que ela seja mutante - flertando com samba, groove, trip hop, rock, jazz e o que mais possa ser, mesmo não sendo isso de fato", diz, afirmando que talvez a maior diferença entre os dois trabalhos se dê ao vivo.
Serviço
O quê: festa Felicidade Clandestina, com show da banda Musa Híbrida
Quando: neste sábado (18), às 23h59min
Onde: no Galpão Satolep. Fica na José do Patrocínio, 8
Ingresso: antecipados custam R$ 10 na Studio CDs e na Vida Quadrada