Friday, August 22, 2014

A subjetividade anárquica em quadrinhos

“Esse aqui, por exemplo. Eu não quis dizer nada”, diz Rafael Sica. E tem explicação: “Percebi com as tiras sem palavras que as pessoas faziam seu próprio sentido, entendiam do jeito que elas queriam. Então não adiantava eu propor alguma lógica se todo mundo buscava o seu sentido.” Com sua produção sem exatamente uma lógica de narrativa, Sica, nascido em Pelotas, está de volta à cidade e expõe uma mostra na Casa Paralela com inauguração nesta sexta-feira (22).
A exposição é uma versão estendida do trabalho que o quadrinista apresentou em Porto Alegre um tempo antes. Lá, contou que estava de partida para Pelotas e queria expor por aqui. Contatos o levaram ao sócio da Casa Paralela Chico Machado e o local recebe agora mais de mil tiras, além de quadrinhos, fanzines e boa parte do trabalho de Sica a partir de 2008 voltado à publicação.
Ajuda a formar o acervo a série Fim, que exemplifica a proposta tão enigmática quanto anárquica da produção do artista. “É um quadrinho depois do outro sem uma lógica linear. Completamente aberta e a busca pelo entendimento de quem lê acaba montando uma sequência lógica. Ainda sim é quadrinhos.”
A independênciaJá são 20 anos trabalhando na área - a primeira tira foi publicada no jornal Dando o Troco, com 15 anos, do Sindicato dos Bancários de Pelotas, e retratava o trabalhador dos bancos. Sica diz que desenha bastante, “na verdade”. Não necessariamente por demanda, mas sim pela vontade de desenhar, o que lhe obriga a estar sempre criando, por exemplo, séries para publicar em um fanzine ou vender a quem se interesse. “Desenho muito no impulso.” Tiras em jornal, por exemplo, ele continua publicando mesmo após certa perda de espaço por parte dos quadrinhos e charges nos veículos impressos. “Eu parei de publicar em jornal há mais de cinco anos, mas é um formato que seguiu dando certo na internet. Costumo publicar lá”, afirma.
A maior parte de sua produção, porém, é na área da ilustração, onde consegue mais dinheiro, embora a sua publicação autoral se espalhe por todos os segmentos do desenho. Sem nunca, e ele faz questão de ressaltar, se aproximar da publicidade. “É uma coisa que eu evito por uma questão de não querer e ser um trabalho difícil. Pessoas avaliando teu trabalho e querendo mudar o que tu tá fazendo. Eles dizem que querem teu traço, mas no fim querem outra coisa. Não vale a pena.”
Manter-se independente, aliás, é uma bandeira e ele aponta esse como sendo um caminho a ser traçado pelos quadrinistas hoje em dia, tendo em vista uma maior facilidade de se autopublicar. “Qualidade de conteúdo sempre teve, mas hoje tá mais fácil e tem surgido mais coisas.”
Chico Machado, que além de sócio da Casa Paralela é “ex”-quadrinista membro da antológica revista pelotense Kamikaze, dos anos 80, entra na conversa e concorda, fazendo uma abordagem histórica: “Era direto do original que se tiravam as cópias. Não tinha recurso de ampliação, era caro. A revolução tecnológica tá aí. Animação por exemplo, quem fazia naquela época era o Otto Guerra, hoje em dia qualquer um com um softwarezinho mete bala e tu vê uma produção muito legal, que naquela época ficava bloqueada porque não era acessível”. Segue Sica: “Essa coisa colaborativa é massa. Hoje em dia tu publica com gente do Rio, de Brasília por processo independente e simplesmente manda por e-mail a página. Antigamente tinha que mandar o original por fax, por correio, demorava um baita tempo pra chegar”. Finaliza Machado: “Se tem acesso ao que se produz no mundo inteiro. Nas décadas de 80, 70 era muito difícil chegar em produções de contracultura. A maioria achava que quadrinismo era super-herói, Pato Donald e Cebolinha. Isso abriu a cabeça da galera”.

*Matéria escrita para o Diário Popular

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