Monday, January 14, 2008

Palavras

Ele acenou para ela, que não o viu. Tentou gritar, mas voz nenhuma saiu, como se todas as palavras quisessem deixá-lo sozinho naquele momento triste. E no que elas iam ajudar, não é mesmo? Melhor fugir antes que ele as jogasse longe. Voltou para a casa, murrou a porta do quarto, acordando os pais. Perguntaram o que havia acontecido, mas não respondeu. Apenas enfiou a cabeça no travesseiro macio e esperou o dia acabar.

O sol acordou depois dele. E de tão mal-humorado, Fernando nem bom dia deu ao astro-rei, que não se atreveu a reclamar. Vai que o garoto-homem fechasse a janela para ele de tanta raiva? Melhor não arriscar. Botou suas calças jeans, logo após calçou seus tênis all star verdes. Por último, enfiou em si uma camisa pólo de cor verde. Pegou suas chaves e saiu antes que alguém lhe entregasse algumas palavras, como se recusasse algum presente. Como se dissesse "Palavras? Quero não. Servem pra nada essas aí.". Caminhou alguns quarteirões e resolveu ligar. Mas que frases usar? Os verbos andavam tão contra ele ultimamente. Respirou fundo e não ligou. Viu que antes precisava fazer as pazes com as palavras. Pediu desculpas com vontade e foi atendido. "E nós lá conseguimos viver sem ti, menino?", disseram.

O telefone tocou pela primeira vez. Ela estava dormindo e não quis atender. "Quem é que tem a coragem de ligar uma hora dessas eim?". Tocou de novo. E ela foi atender.

- ESCUTE AQUI, SEJA LÁ QUEM VOCÊ SEJA, VOCÊ PENSA QUE PODE ME ACORDAR A ESSA HORA, É?
- Te acordei, foi? Desculpa.
- Ah, é você, Fernando. Tudo bem, vai. Mas faz isso de novo, não.
- Tudo bem. Veja, eu sei que fiz coisa errada com você. Mas tô arrependido por demais. Queria teu perdão, pequena.
- Já te perdoei, Fernando.
- E fingiu que não me viu por quê?
- E eu lá sou de fazer isso, garoto?
- Veja, eu fiz as pazes com as palavras pra conseguir te ligar e pedir perdão. Não queira usar a palavra "mentir" em tua defesa.
- Tá bom. Fingi que não vi. Vai ser melhor assim, Fernando.
- E posso saber o porquê?
- Eu tenho três meses de vida só.
- E você me contou só agora, é?
- E ia contar como? Se você nunca me ouve?
- Mas a gente não precisa se afastar. A gente pode viver esses três meses intensamente. Juntinhos. Sem nem pensar no que vai acontecer.
- Se as palavras estão do se lado, Fernando, você poderia não usar a palavra pena, por favor?
- Não é o substantivo pena. É o verbo amar. E verbos são os nomes das ações. E essa é a minha ação agora: Te amar.

Ele amou-a pelos três meses inteirinhos. Sem abandoná-la um que fosse. As palavras "eu", "te" e "amo" foram usadas a toda hora, em todos os dias. Até o dia em que a palavra morte chegou e levou-a consigo. Agora ele só tem as palavras como companhia.

5 comments:

  1. Anonymous8:52 PM

    muito bom, mas o último parágrafo tá GENIAL.

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  2. Realmente um dos teus melhores textos! A idéia muito boa, o uso das palavras incrível! Esse é o don decolando...


    Olha o leon ali voando, gente!

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  3. Anonymous11:34 AM

    interessante.


    pirs.

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  4. Anonymous11:54 AM

    foooooda leonzito, chorei litrus rs

    abraço o//

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